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Pediatras não conseguem reverter ideias equivocadas de pais sobre vacinas

Estudo ouviu cerca de mil clínicos de todo o país para investigar queda na cobertura vacinal, que preocupa autoridades.

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A queda na vacinação no Brasil vem se intensificando desde 2015

Os pediatras brasileiros estão enfrentando dificuldades para orientar pais e cuidadores quanto à necessidade de vacinarem suas crianças. Os pais têm chegado aos consultórios com um repertório de falsas informações sobre a eficácia e a segurança dos imunizantes. Frequentemente, os médicos têm sido incapazes de rebater ou desconstruir estes argumentos incorretos, e os pais terminam por incidir na chamada hesitação vacinal, que é o nome dado ao comportamento de atraso ou recusa em receber vacinas uma vez disponibilizadas pelo sistema de saúde. Essa dificuldade de comunicação é uma das constatações do primeiro estudo abrangente sobre hesitação vacinal no Brasil a partir da perspectiva dos profissionais de pediatria, que foi apresentado nesta quarta-feira.

A pesquisa, intitulada “Hesitação vacinal: por que estamos recuando em conquistas tão importantes?”, é uma iniciativa em parceria da Sociedade Brasileira de Pediatria  (SBP) e do Instituto Questão de Ciência (IQC), que ouviu 982 respondentes de todo o Brasil entre fevereiro e abril deste ano.

A queda na vacinação no Brasil vem se intensificando desde 2015, e preocupa as autoridades. Segundo levantamento do Ministério da Saúde divulgado em 2022, os índices de cobertura vacinal, que chegaram a 97% em 2015, caíram a 75% em 2020, índice alcançado originalmente em 1987.  As maiores quedas dizem respeito às vacinas para a BCG (38,8%) e a Hepatite A (32,1%),  entre 2015 e 2021, mas várias classes de imunizantes foram afetadas. Clóvis Constantino, presidente da SBP, explica que o comportamento dos pais tem intrigado os profissionais de saúde. “Estes pais e mães foram vacinados na infância, mas muitos estão decidindo não vacinar seus filhos. Isso ocorre por múltiplas razões, e a pandemia de covid-19 parece ter intensificado este processo.   O resultado é que estamos na rota para o retorno de muitas doenças já erradicadas, algumas delas gravíssimas”, diz.

Segundo a percepção dos pediatras, entre os fatores externos que mais estimulam os sentimentos de  desconfiança e de repúdio às vacinas por parte dos pais estão o uso das redes sociais (30,95%),  conteúdos veiculados pela mídia  (20, 68%) e a busca por informações na internet (13, 60%). Também foram citados os conteúdos transmitidos por Whatsapp (8,43%), conselhos de amigos (4,61%) e de familiares (3,26%) e o quadro político geral (2,07%). Boa parte dos médicos, ao invés de se referir a canais, referiu-se de forma genérica ao consumo de fake news por parte dos pais (11,30%). As resistências dos pais foram relatadas tanto por profissionais que atuam pelo sistema privado de atenção à saúde (58,39% dos respondentes) como no sistema público (10,36%), sendo que 31,25% dos participantes trabalham nos dois sistemas.

“Sabemos que existem fake news redigidas diretamente para mobilizar as mães, enfatizando que se a criança experimentasse depois algum problema de saúde, ela seria a culpada. Isso tem um efeito de mobilização em muitos casos”, diz Natália Pasternak, presidente do IQC.  “Acho que esses dados nos trazem uma boa indicação de por onde teremos de agir para reforçar, de maneira positiva, a necessidade e a segurança das vacinas”, diz Renato Kfouri, médico pediatra e presidente do departamento de imunizações da SBP.

Dentre os motivos mais comuns alegados para a decisão de não vacinar os filhos estão o receio de eventos adversos (19,76%), desconfianças quanto à segurança das vacinas (19,27%) esquecimento (17,98%) e falta de oferta no sistema público (17,58%).

As vacinas contra covid-19 são, de longe, as que mais controvérsias geram nos consultórios e postos de saúde. Nada menos que 81% dos entrevistados relatam ter ouvido expressões de reserva e desconfiança por parte dos pais. Muito lá atrás, em segundo e terceiro lugares, vêm a vacina para influenza (6,7%) e para febre amarela (6,09%).

Entre os fatores mais mencionados pelos pais aos médicos estão o medo de que as vacinas usadas no combate à covid-19 resultem em danos posteriores às crianças (18%), medo de problemas como miocardite e trombose (16,5%), e preocupações com a segurança geral das vacinas de RNA (12,8%). Também se argumenta que   crianças não desenvolvem covid grave (12,84%), que o pai ou responsável não conhece nenhum caso de criança que morreu de covid-19 (8,80%), que as vacinas não protegem da infecção e as crianças só desenvolvem formas leves da doença (8,77%), que a vacina não impede a covid (7,08%), que os reforços são uma estratégia dos laboratórios para empurrar a vacina para cima dos governos (6,95%) e que a infecção natural protege por mais tempo do que a vacina (5,81%).

Os organizadores do estudo pontuam que parece haver uma diferença de atitude por parte dos pais quanto a se vacinarem e vacinarem os filhos contra a covid-19. “Menos de 50% da população pediátrica elegível tomou vacina. Entre os adultos esse percentual chegou a 95% para a primeira e a segunda doses”, diz Eduardo Jorge da Fonseca, do comitê científico da SBP. “Isso sugere que, embora os pais e mães tenham se vacinado, essas fake news foram tão influentes que geraram insegurança junto aos pais, e, ainda mais grave, parecem ter afetado também a confiança nas demais vacinas. Já havia desde 2015 uma redução da cobertura vacinal e isso foi agravado pela politização da vacinação durante a pandemia”, diz.

Quanto às demais vacinas, os principais argumentos relatados pelos pediatras foram “minha filha não precisa de vacina para HPV” (47,18%), “vacina HPV pode gerar efeitos neurológicos graves” (23,26%) e “a doença por rotavírus é leve em crianças”(19,16%).

No levantamento, 27% responderam que a falta de materiais educativos para compartilhar com os pais eram o maior problema enfrentado no combate à hesitação vacinal no consultório. “Esse dado mostra que os pediatras estão considerando que não basta falar, é preciso que disponham de material de apoio. Agora, o IQC e a SBP devem procurar investir na produção de panfletos que os pais possam levar para casa e que possam ser distribuídos em postos de saúde, e de manuais que ensinem os pediatras a se comunicarem em consultório”, diz Natália. “A pesquisa mostra que eles estão pedindo isso de nós”, diz. (Por Pablo Nogueira)