Um novo caso de violência doméstica ganhou os holofotes nos últimos dias. Ana Hickmann, famosa apresentadora de TV, teria sido agredida por seu marido Alexandre Corrêa, na casa do casal, durante uma discussão conjugal. Após as supostas agressões, o marido se evadiu do local, provavelmente sabendo que se tivesse permanecido no imóvel, teria sido preso em flagrante.
Nesta esfera, é importante ressaltar que a aplicação de medidas protetivas, independe da vontade da vítima, pois o objetivo da Lei Maria da Penha é oferecer proteção à mulher sujeita à violência, ainda mais em um caso envolvendo os crimes de violência doméstica e lesão corporal consumada, delitos estes tipificados no Boletim de Ocorrência, com a presença de 2 testemunhas oculares do fato, e tudo na presença do filho menor do casal.
Se a vítima de violência doméstica optar por não representar pelas medidas protetivas quando questionada pelo delegado ou delegada, o que prospera no caso da Ana Hickmann, o Ministério Público pode dar continuidade ao processo penal e requisitar ao juiz medidas de proteção, caso entenda que a vida da vítima está em risco, de acordo com os fatos em concreto.
A alteração da Lei Maria da Penha ocorrida em 2023, surgiu em virtude da necessidade de proteção imediata da vítima de violência doméstica, já que é alto o índice da prática desse crime na sociedade brasileira, o que muitas vezes só pode ser assegurado com a aplicação e concessão das medidas protetivas, independentemente da tipificação penal da violência ou da existência de ação judicial ou inquérito policial. Vale salientar que as medidas protetivas têm processamento autônomo, ostentando natureza satisfativa própria.
A manutenção das medidas protetivas continuarão em vigência enquanto houver risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima ou de seus dependentes. Além disso, importante frisar que muitas vezes a própria mulher desrespeita as medidas protetivas impostas, de forma ingênua ou por ter filhos menores envolvidos, e isso pode ser causa para a revogação das medidas aplicadas, se assim provocado pelo agressor formalmente no processo, em uma tese defensiva, se demonstrada, por exemplo, a inexistência de fato das medidas sem a ocorrência de nenhum problema posterior e a falta de justa causa para a sua manutenção.
Acerca da possibilidade de prisão preventiva de Alexandre Corrêa, marido de Ana Hickmann, a Polícia Civil fará as investigações para constatar se a agressão objeto do Boletim de Ocorrência lavrado foi um fato isolado, ou se é um fato costumeiro e reiterado que envolve um cenário complexo – como, por exemplo, mais agressões passadas e/ou dilapidação patrimonial por parte do agressor que ostenta temperamento manipulador e esteve anos no controle financeiro e empresarial do casal. Além disso, a autoridade policial vai verificar se estão preenchido os requisitos da prisão preventiva, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Neste caso, a prisão preventiva do agressor, pode ser decretada pelo juiz; de ofício; a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial, pelo período máximo de 81 dias, o tempo máximo de conclusão do processo criminal.
Importante esclarecer que mesmo após 24 horas do fato, o indivíduo ainda pode ser preso em flagrante, com fulcro no artigo 302 do CPP, que dispõe expressamente que precisa ocorrer uma perseguição policial e, enquanto ocorrer a perseguição, o indivíduo pode ser preso em flagrante, mesmo ultrapassado as 24 horas, o que chamamos de flagrante impróprio.
Por fim, cabe esclarecer que neste caso, após o término das investigações, pode ser arquivado o procedimento criminal por falta de indícios de autoria e materialidade, ou, o que é o mais provável, ser instauração ação penal e Alexandre Correa ser acusado formalmente pela prática de crime de lesão corporal e ameaça decorrente da violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse caso ele terá que apresentar defesa e ser réu em uma instrução criminal, na qual terá uma sentença judicial de condenação ou absolvição, independentemente da extensão dos ferimentos. Esta será uma ação penal que é pública incondicionada, sendo, por essa razão, irrelevante a falta de representação da vítima ou sua retratação.
*Eduardo Maurício é advogado no Brasil, em Portugal e na Hungria. Doutorando em Direito – Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema pena y criminologia), pela Universidad D Salamanca – Espanha e escreve nesta edição para o RCIA ARARAQUARA.
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