Em resposta à sobretaxa imposta pelos Estados Unidos a produtos chineses, o país asiático anunciou medidas contra importações de produtos norte-americanos no último dia 6. A disputa comercial entre os dois gigantes já repercute na economia brasileira, por exemplo, com o aumento da procura pela soja, um dos produtos taxados pela China.
Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam que essa queda de braço, resultado da política protecionista do governo de Donald Trump, pode favorecer alguns setores brasileiros a curto prazo, mas que em médio e longo prazo essa guerra pode representar um retrocesso para a economia global.
Pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV Agro), Felippe Serigatti, avalia que essa disputa pode resultar em um crescimento econômico menor para os dois países, o que afetaria outras nações. “Isso não é bom nem para o Brasil nem para a economia mundial como um todo. No final das contas, ninguém exatamente sai ganhando com essa disputa”, apontou.
Ele lembra que setores como o da soja brasileira podem lucrar mais imediatamente ao suprir a demanda chinesa, mas isso pode gerar desequilíbrio com outros parceiros mundiais. Serigatti explica que o preço da soja aqui vinha ficando abaixo da cotação na Bolsa de Chicago, o que é positivo ao se vender para a China, mas pode implicar um preço incompatível com o mercado europeu.
“Se a soja no Brasil fica mais cara, o farelo de soja que sai daqui também fica mais caro, logo o nosso preço fica menos competitivo na Europa. Isso pode favorecer, por exemplo, o farelo de soja norte-americano, uma vez que a soja lá, comparado com o preço da soja aqui, está mais barato”, exemplificou.
O embaixador Rubens Barbosa, que atuou em Washington no início dos anos 2000, também avalia que a ampliação deste cenário de disputa será “ruim para todos”. “Vão aumentar o custo, o preço das commodities, afetando todo mundo, inclusive o Brasil. Uma guerra comercial nesse nível vai significar também uma redução do crescimento da economia e diminuição do comércio exterior”, disse ele.
Para o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, Charles Tang, países como Brasil, Argentina e Austrália devem ajudar a suprir a demanda chinesa, mas em longo prazo esse desequilíbrio pode “danificar a economia mundial”. “Todo mundo vai ser perdedor”, criticou.
Ele destacou que o Brasil é maior exportador de soja para a China. “Os Estados Unidos exportavam aproximadamente 40 milhões de toneladas, e o Brasil exporta cerca 50 milhões de toneladas. Para substituir o fornecimento americano, vai ter que quase dobrar a exportação”, disse. Segundo ele, “o importante é que a China entendeu pela primeira vez que o fornecimento norte-americano é instável e mais uma vez o povo chinês entendeu que essa instabilidade é perigosa”.
COMPETIVIDADE
Rogério Araújo, coordenador de Planejamento e Inteligência da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), órgão ligado ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), destaca que o mercado brasileiro está pronto para aproveitar as oportunidades advindas das disputas entre China e Estados Unidos, mas é preciso investimento para tornar este incremento em um ganho efetivo de mercado.
“A gente consegue isso com uma ampliação de investimentos focados em inovação e num setor produtivo que está crescendo ao redor do mundo, que é o setor produtivo conectado à economia digital, à indústria 4.0,”, avaliou. Ele defendeu ainda a “conexão entre vários setores da economia, sejam os serviços de alto conhecimento com a indústria, seja a indústria com a agricultura”.
Nesta sexta-feira o jornal francês Le Monde apontou o Brasil como “grande vencedor” da guerra de sobretaxas entre os EUA e a China. Segundo o jornal, as exportações brasileiras de soja estão favorecidas, e o preço do produto no país superou a cotação da Bolsa de Chicago. O Wall Street Journal também cita o Brasil como beneficiário imediato pelo contexto atual, mas aponta que o país não produz hoje o suficiente para abastecer sozinho a China.