A Ferroviária tinha a missão de fazer a parte dela, de honrar o seu compromisso com nós. De ser valente, aguerrida, como foi durante os 19 anos longe da primeira divisão. Nunca se deixou vencer, nem nos tempos mais sombrios e macabros que a história lhe rendeu.
Hoje, ou melhor, até ontem, era tudo de bom. Comida no prato, tudo balanceado, ninguém podia reclamar do luxo que era proporcionado. Hotel, viagens com antecedência, toda a estrutura que um time de futebol tem e deve ter de melhor para atender todos os atletas e seus profissionais, de grande contingência, e com o salário em dia. Mas, isso é para poucos. Talvez nem tenhamos mais isso.
O clube, me referindo a instituição, estava honrando todos os seus compromissos e todos esperavam um retorno, que era o dever da função de cada um que entrou em campo ou que estava na beira dele.
Com exceção dos meninos da base, que tentaram segurar o rojão sem saber acendê-lo, a equipe da Ferroviária tardou no Paulistão 2023. Time sem identidade alguma, sem alma e covarde em seu capitulo final na tarde de 5 de março.
Peço até licença de citar o meu avô que foi diretor de futebol do clube lá no fim da década de 50 e até metade dos anos 60. Sim, no tempo áureo da Ferroviária de Araraquara, conquistando o terceiro lugar do Paulista de 1959, das excursões do exterior, quando “batia” no Santos de Pelé – quando dava – mas chegou em 1965, o ano do primeiro rebaixamento.
Em uma atitude nobre, meu avô, que “apanhou” muito da imprensa na época por conta dos maus resultados, convocou ela para expressar o seu ponto de vista. O que fazer para salvar a Ferroviária do rebaixamento? Elenco numeroso com mais de 30 jogadores, uma parceria feita com o Palmeiras lhe rendeu aqueles que não estavam nem aí pra nada – os famosos refugos.
A hombridade foi em reconhecer que errou e o meu avô pediu ajuda, porém foi em vão. Caiu. Sem dó e nem piedade. Tenho guardado aqui as anotações dele e o recorte do jornal O Imparcial sobre a convocatória da imprensa.
Passados 58 anos, não é mais uma associação. É uma SAF, que tem alguns meses de existência, mas que não tem uma identidade, um homem forte, aquele que dá a cara a tapa quando precisa. Quem assume a bronca? Um empresário que mora fora do Brasil? E os homens de confiança que os representa? Não adianta colocar uma pessoa que estava na gestão anterior para falar.
O novo não conseguiu mudar e este novo, aquele que assumiu a cadeira de presidente, nem de Araraquara é. É algo grave. Não foi apresentado aos torcedores um projeto do que pode ser o futuro do clube nos próximos anos. Parece até que estão em um game, jogar o jogo, viver o momento e ver o que acontece. Nem um pedido de desculpas foi feito.
Ao longo da história, a Ferroviária é a filha mais ilustre da cidade. Isso é inquestionável, mas ela, que se aproxima dos 73 anos, precisa entender da sua importância e parece estar perdendo a sua identidade. Precisa dar algo a mais por nós. Isso eu não incluo o futebol feminino, que está anos luz a frente, mas em termos de alcances maiores no masculino. Guarani, Inter de Limeira, Botafogo, Santo André, Paulista, Ituano, estes clubes conseguiram chegar nas suas façanhas estaduais e nacionais no primeiro escalão.
Talvez eu carregue um pouco de culpa nisso. Pareço ter falhado no papel de imprensa e ter esperado chegar a este ponto para buscar as razões para isso tudo. Acho que cansei até de lutar por algo melhor para nós. Treinos abertos para entendermos como cada atleta se comporta, nos basearmos e termos propriedade em passar para o torcedor que acompanha o time o que acontece.
Foram legais estes oito anos. Experiências incríveis e foi bom desbravar outros lugares também. Foram 48 participações na história da A1. Entre os rebaixamentos da Ferroviária, esta foi a primeira vez que a equipe caiu jogando em casa, independente da divisão.
Ah, mais uma coisa e envolve uma superstição histórica. Conversava por telefone com um amigo pós-jogo. Ele esteve presente no estádio, mas entrou com sete minutos de bola rolando e não viu o que eu vi. Contei a ele e ficou espantado. Quando se perde o cara ou cora na Fonte e o adversário sai com a bola, é tradição que a Ferroviária ataque em direção ao Ferrão de entrada, algo que não aconteceu. Não era pra ser.
Rafael Zocco é jornalista, formado em Comunicação Social – Jornalismo na UNIARA
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