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A dívida que não consegui pagar

Por José Roberto Fernandes

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Há dívidas, na vida, que não conseguimos pagar. Não estou falando de compromissos financeiros. Estou falando de “dívidas de gratidão”. Tenho várias delas em meu currículo. Dívidas que, no máximo esforço, conseguimos reduzir, amenizar, mas nunca resgatar em definitivo.

Sempre restará alguma coisa a nos mostrar que algo ficou para trás, que poderíamos ter feito mais e não o fizemos.
Quem sabe gestos, atitudes, lembranças. Enfim…

Neste sábado de outono, com o sol brilhando “num céu azul de brigadeiro”, recebi a fatura de uma das contas que jamais pagarei: a morte do amigo Roberto Aparecido Guilherme, o Guilhermão, como era conhecido. Um infarto fulminante, em plena rua, o tirou do nosso convívio. Ele tinha só 54 anos e parecia ter superado os problemas de saúde que o atormentavam anos atrás.

Os amigos sempre irão se lembrar dele de várias formas: árbitro de futebol, de futsal, diretor das ligas, diretor de futebol da Ferroviária nos tempos de Milton Cardoso. Mas a imagem verdadeira, corajosa e definitiva será sempre a do Guilherme torcedor da AFE.

Ah! Bons tempos da Torcida Boca do Lixo, até hoje eternizada na mente de quem conseguiu viver momentos tornados inesquecíveis pelo nosso time do coração. Não tínhamos ainda a Arena, mas tínhamos a Fonte Luminosa , tínhamos a torcida, a Boca do Lixo liderada por Roberto Aparecido Guilherme e seus amigos.

Era mesmo – posso afirmar – uma mistura de paixão e fanatismo. Porque, a Ferroviária sempre foi assim: combinava a qualidade técnica do seu futebol em campo ao canto glorioso que vinha das arquibancadas.

Mas minha dívida com o Guilherme tem razões pessoais e profissionais, que me marcaram profundamente. No ano 2000, justamente no dia 12 de abril, com a Ferroviária completando 50 anos, fui vítima de um grave acidente de trânsito. Um maluco, fugindo da polícia, bateu em meu carro e o jogou contra uma árvore.

Foi o início de um longo e difícil período de quase oito meses. Primeiro, a operação, logo abaixo do joelho, bem conduzida pelas mãos competentes do Dr. Dalmir Semeghini. Depois, já em casa, a longa recuperação.

Na época, estava na Rádio Morada do Sol, que funcionava na Rua 9 de Julho, quase em frente à Casa Deliza. Com a Ferroviária jogando, veio o drama: como resolver o problema dos programas e, principalmente, das transmissões? Reconheço que teria sido impossível sem ajuda de amigos de verdade, como Tadeu Alves, Carlos Alberto Baldassari, Vanderley Nonato “Fogueira” e do Marquinhos Chiochini, em início de carreira.

Graças também a amigos de rádios de fora, que tomaram para si a grande responsabilidade das transmissões, quando a Ferroviária não jogava na Fonte.

Um dia, Roberto Aparecido Guilherme apareceu em minha casa. Desceu da sua reluzente Veraneio, abriu um sorriso, os braços para um abraço – hoje, nem isso é possível – e falou sem rodeios: “Já está na hora de você voltar”.

Tinha armado um plano, isso mesmo, um plano, para que eu voltasse a transmitir.

Ele, o Tadeu Previdelli, o Norberto Matuti e mais alguns torcedores (peço desculpas por não me lembrar de todos) me apanhariam em casa e me levariam à Fonte Luminosa. Lá, me colocariam na maca utilizada durante os jogos e, creiam, subiriam as arquibancadas do estádio e me deixariam confortavelmente instalado na cabine. E fariam a viagem de volta ao final da transmissão.

Estou colocando as frases no condicional, porque considerei aquilo uma loucura. No momento foi, ao que me lembro, minha única reação. Como subir tantos degraus carregando um cara de quase 90 quilos?

Difícil acreditar, mas foi o que fizeram. Não uma, mas diversas vezes. E não só na Fonte, mas também nos jogos da Ferroviária longe de casa. Meu lugar na Veraneio do Guilherme era prioridade. E, dessa forma, amparado pela lealdade dos amigos, superei um dos momentos mais difíceis da minha carreira.

Como esquecer amigos assim?

Isso sempre esteve fora de questão.
Por isso e por tantas outras demonstrações de amizade, que ao saber da sua morte, dei a mim mesmo o direito de chorar. E preso em casa pelo isolamento, nem pude ir me despedir de você. Em tempo de coronavirus, até isso nos tiram da gente.

Vão ficar as lembranças, boas lembranças…

E, voltando ao título, peço desculpas por não quitar a dívida, não da forma que eu gostaria.

Mas o seu coração, tão grande quanto você, e que hoje resolveu parar de bater em seu peito, com certeza me concederá o perdão. “Põe na conta, depois a gente acerta”…

Gratidão eterna, amigo.
Fique em paz!

*José Roberto Fernandes é jornalista, locutor esportivo e integrante dos Campeões da Bola.

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR