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A mudança de prenome e do gênero no registro civil

Por Tiago Romano

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A mudança de prenome e do gênero no registro civil é regulamentada pelo Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e é feita administrativamente em qualquer cartório de registro civil das pessoas naturais e sem necessidade de processo judicial ou mesmo atestado médico, análise psicológica ou cirurgia prévia.

Existiam muitas dúvidas de como proceder à alteração do prenome e gênero da pessoa no registro civil, cada oficial registrador interpretava de uma forma e a discussão sempre termina no Poder Judiciário. Após a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 4275/DF que reconheceu o direito da pessoa transgênero de independentemente de cirurgia de redesignação ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes proceder à substituição de prenome e gênero diretamente no cartório de registro civil das pessoas naturais, o Conselho Nacional de Justiça que é órgão legitimado para fiscalizar as atividades cartorárias judiciais e extrajudiciais deliberou e padronizou os procedimentos através do Provimento nº 73, de 28 de junho de 2018. Hoje o provimento citado versa “sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais” e é a carta de referência sobre o assunto.

Hodiernamente a única exigência para a alteração do prenome e/ou do gênero é a pessoa ter dezoito anos completos e estar apta à prática de todos os atos da vida civil. Esse é o único requisito, reiterando que a decisão do STF já citada dispensou qualquer outra exigência. O artigo 4º do provimento reza que “o procedimento será realizado com base na autonomia da pessoa requerente, que deverá declarar, perante o registrador do RCPN, a vontade de proceder à adequação da identidade mediante a averbação do prenome, do gênero ou de ambos”. Repetindo o atendimento do pedido apresentado ao oficial registrador independe de prévia autorização judicial ou da comprovação de realização de cirurgia de redesignação sexual e/ou de tratamento hormonal ou patologizante, assim como de apresentação de laudo médico ou psicológico.

A pessoa deve comparecer ao cartório e pedir a alteração e a averbação do prenome e do gênero de forma a adequá-los à identidade autopercebida. A alteração poderá abranger a inclusão ou a exclusão de agnomes indicativos de gênero ou de descendência. Todavia a alteração não compreende a alteração dos nomes de família e não pode ensejar a identidade de prenome com outro membro da família. Exemplos: se fosse Tiago Romano, Tiago é o prenome pode ser alterado, já o Romano é nome, também denominado nome de família, esse não pode ser alterado; se fosse ainda Tiago Henrique Romano, Tiago é prenome pode ser alterado, Henrique agnome indicativo do gênero masculino pode ser alterado, já o Romano sendo nome de família não pode ser alterado e se fosse a derradeiro Tiago Romano, e a alteração do prenome fosse para Sabrina, a alteração não poderia ser atendida por ser o nome de minha irmã.

Outro ponto interessante é que o pedido poderá ser formulado em cartório diverso do que lavrou o assento, nesse caso, deverá o registrador encaminhar o procedimento ao oficial competente, a expensas da pessoa requerente, para a averbação pela Central de Informações do Registro Civil. Em outras palavras a pessoa interessada pode solicitar a alteração em qualquer cartório do Brasil e não necessariamente onde consta o seu registro.

Após dirigir-se ao cartório de registro civil das pessoas naturais deve o oficial registrador adotar as seguintes providências: deverá identificar a pessoa requerente mediante coleta, em termo próprio, de sua qualificação e assinatura, além de conferir os documentos pessoais originais e acompanhar a assinatura da pessoa no requerimento, indicando a alteração pretendida.

A pessoa deve anexar no requerimento: certidão de nascimento atualizada; certidão de casamento atualizada se for o caso; cópia do registro geral de identidade; cópia da identificação civil nacional se for o caso; cópia do passaporte brasileiro se for o caso; cópia do cadastro de pessoa física no Ministério da Fazenda; cópia do título de eleitor; cópia de carteira de identidade social se for o caso; comprovante de endereço; certidão do distribuidor cível do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); certidão do distribuidor criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); certidão de execução criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos; certidão da Justiça Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos; certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos e certidão da Justiça Militar se for o caso. Referidas medidas visam acautelar o uso indevido da faculdade de alteração do nome para evitar que a pessoa em ato de má fé utilize-se do expediente para se furtarem de dívidas, processos criminais etc.

Todo o procedimento tem natureza sigilosa, razão pela qual a informação ao seu respeito não pode constar das certidões dos assentos, salvo por solicitação da pessoa requerente ou por determinação judicial, hipóteses em que a certidão deverá dispor sobre todo o conteúdo registral. Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto ao desejo real da pessoa requerente, o registrador do cartório fundamentará a recusa e encaminhará o pedido ao juiz corregedor permanente.

O ofício do cartório de registro civil de pessoas naturais deverá manter índice em papel e/ou eletrônico de forma que permita a localização do registro tanto pelo nome original quanto pelo nome alterado. Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício do cartório de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas da pessoa requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do RG, ICN, CPF e passaporte, bem como ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Por fim, caberá à pessoa interessada providenciar a alteração nos demais registros que digam respeito, direta ou indiretamente, a sua identificação e nos documentos pessoais.

Quanto a subsequente averbação da alteração do prenome e do gênero no registro de nascimento dos descendentes da pessoa requerente dependerá da anuência deles quando relativamente capazes ou maiores, bem como da de ambos os pais.  A subsequente averbação da alteração do prenome e do gênero no registro de casamento dependerá da anuência do cônjuge. Havendo discordância dos pais ou do cônjuge quanto à averbação o consentimento deverá ser suprido judicialmente.

Realmente era de fundamental importância a regulamentação legal, única e administrativa da medida, eis que, esse direito à alteração do nome e do gênero prestigia os direitos constitucionais fundamentais do ser humano: à dignidade humana, à honra, à liberdade pessoal etc., mas todos esses direitos se resumem a um direito que é maior ou melhor é a somatória de todos os direitos constitucionais da humanidade: o direito do ser humano de ser feliz. O direito a felicidade é o resultado para o qual todos os direitos se unem. O maior direito humano é o direito a ser feliz, e referido direito não pode ser privado do cidadão por questões burocráticas.

Em suma a mudança de prenome e do gênero no registro civil é medida administrativa e depende apenas da pessoa interessada manifestar sua vontade nesse sentido, sem qualquer dificuldade, embaraço ou necessidade de acionar o Poder Judiciário.

  • Tiago Romado é Advogado e Presidente da OAB Araraquara

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