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A vida como corrupção da linguagem e dos valores

Por Jorge Maranhão

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Desde que foram introduzidas no Brasil as obras do escritor austríaco Robert Musil, com seu conceito original de “segunda realidade”, e do filósofo alemão Eric Voegelin, com seu decorrente conceito de “corrupção da linguagem”, me dedico a observar a cena cotidiana da política brasileira sob estas perspectivas, o que revela a nossa crise civilizatória, entre outras coisas, pela omissão de verdadeiras elites.

Por exemplo, o recente debate sobre agrotóxicos ou defensivos agrícolas. Ou como a ideologia esquerdista relativiza o valor da vida e promove a corrupção da linguagem, através de uma das figuras retóricas mais usadas pelos que querem submeter o pensamento crítico aos sofismas da retórica, como metonímias, hipérboles e paradoxos. Ou, como tenho dito aqui, como nossas elites falantes distorcem a realidade com sua mentalidade barroquista.

Numa grande emissora de televisão aberta, por exemplo, a pauta de nova classificação de novos tipos de defensivos agrícolas pela Anvisa, é tratada como liberação de “agrotóxicos”. O que significa o recorrente uso da figura retórica da metonímia, aquela que troca o sujeito pelo predicado. Ou o substantivo pelo adjetivo.

Trata-se da corrupção da linguagem pela ideologia hegemônica do marxismo cultural que prefiro qualificar como corrupção dos valores. Pela mesma imprensa lobotomizada por mais de vinte anos de governos esquerdistas no Brasil.

Imprensa que corrompe o termo conservadorismo, por exemplo, como de extrema direita, ou social-democracia como a mediana entre conservadores e as esquerdas que jamais são extremas.

Basta fazer uma pequena pesquisa na internet para constatar que os próprios produtores de “agrotóxicos” se tratam como indústria de “defensivos agrícolas”, cujos produtos podem ter os mais variados graus de toxidade, mas que por este mesmo variável grau de atributos, não podem ser considerados todos como “agrotóxicos”.

Muito pelo contrário, são considerados um dos mais importantes fatores da longevidade crescente da espécie humana nas últimas décadas.

Aliás, a própria indústria de alimentos, ou a atmosfera que se respira, a água que se bebe, os remédios de que se faz uso, não pode ser tudo generalizado como tóxico só porque algumas classes desses produtos possuem maior ou menor grau de toxidade.

Assim como a pauta ambientalista do desmatamento pela grande imprensa é sempre ampliada pelo escarcéu frequente dos índices de destruição das florestas.

Ou como a campanha de gênero quando destaca o neologismo “feminicídio” na cobertura policial. Ou as campanhas contra as armas como causas do incremento da violência.

Ou a defesa da soberania indígena sobre áreas de proteção ambiental que devem servir a todos os cidadãos. Ou das campanhas de desconstrução da família pela tutela crescente da justiça do Estado sobre menores, idosos e enfermos.

Ou seja, sob o manto da informação imparcial do cidadão, o que vemos na mídia de massa não é jornalismo, mas campanhas de deformação da realidade por uma linguagem igualmente corrompida. E que reflete o que tenho chamado de nossa renitente cultura barroquista vocacionada às torções, retorções, contorções e distorções da realidade.

Sobretudo quando denuncio o paradoxo de, a um só tempo, defenderem a vida do “agrotóxico” e, ato contínuo, a relativizarem em face das campanhas pró-aborto estreladas pelos artistas globais. E recebo sempre as mais furibundas pechas de conservador e reacionário.

Querem me convencer da estratégia de que o complexo tema do aborto não é uma questão moral, mas de saúde pública, pelos altos índices de óbitos de mulheres praticantes. E aqui é que começa o paradoxo barroquista. E o óbito do feto? Com ele, não retornamos ao dilema moral?

O que me parece definitiva falácia argumentativa é o deslocamento da responsabilidade individual concreta para a responsabilidade social etérea do chamado “Poder Público”.

Se não, comparemos. Pois não se trata apenas de um atentado à vida tão simplesmente, mas da crueldade de matar um ente vivo sem chance de defesa.

E causa defendida pelos mesmos beautiful people que condenam hipocritamente práticas de escravidão, holocausto, tortura e pedofilia, a bárbara lei da selva em suma, dos mais fortes contra os mais fracos! Ou a pauta famigerada dos direitos humanos do bandido contra a negação do direito de defesa do agente da lei. Adventos da mais pura crueldade.

Vale a advertência, aliás, que mesmo com a eutanásia, não se pode comparar o aborto! Pois o feto é cabalmente indefeso, a maior expressão da fragilidade humana, enquanto que a um enfermo terminal já lhe foi garantido o direito de defesa, quando, consciente, decidiu sobre a interrupção da própria vida por sofrimento inútil.

Definitivamente, slogans como “meu corpo, minhas regras” são o máximo do relativismo moral do esquerdismo  barroquista, do delírio retórico e da mais profunda corrupção da linguagem pela guerra cultural que se trava no país. Da resistência idealista em não aceitar, enfim, a crueldade da própria natureza humana.

* Jorge Maranhão, Mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão e autor de “Destorcer o Brasil. De sua cultura de torções, contorções e distorções barroquistas”