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De quem é a culpa das enchentes de Araraquara?

Por Wagner Tadeu da Silva Prado

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Todos acompanharam atônicos as fortes chuvas havidas no dia 28/12/22 na cidade de Araraquara e região. São Carlos não foi diferente, tendo resultados devastadores também, especialmente no comércio. Chuvas que chegaram ao índice de 196 mm em duas horas de tormenta.

Várias ruas destruídas, pontes e passagens interditadas e, infelizmente, um carro com seis pessoas da mesma família arrastado pelas águas e que resultou na trágica morte de todos os ocupantes do veículo. De início, meus mais profundos sentimentos à família enlutada. Que Deus possa confortá-los.

Mas, afinal, de quem é a culpa da destruição? De São Pedro que mandou mais água do que devia? Certamente que não.

Há uma série de fatores que corroboram para o que aconteceu. E, certamente, não serei leviano de dizer que a culpa é somente do atual prefeito e de sua secretaria de obras. “O buraco é mais embaixo”.

Vamos aos fatos: Araraquara conta com 205 anos de história. Tudo por aqui era chão batido. Com o crescimento da cidade e a chegada da tecnologia, a Morada do Sol foi ficando cada dia mais impermeável. Blocos de paralelepípedo, asfalto, bloquetes de concreto fazem com que as águas das chuvas corram pelas ruas, caiam nas já galerias saturadas e com acúmulo de sujeira, e desemboquem nos estreitos rios que cortam a cidade. Com a diminuição das áreas de infiltração das águas pluviais, naturalmente, ocasiona-se um aumento dos volumes de escoamento superficial.

Trabalhei no Palácio dos Bandeirantes como chefe de gabinete da Casa Militar e também era responsável, junto com o coordenador estadual, pela Defesa Civil em todo Estado de São Paulo. Vi de perto muitas tragédias similares a essa. E também muitas outras bem piores.

Araraquara se desenvolveu em vários aspectos. Comércio, indústria e agro fortes. Mas os investimentos no setor de infraestrutura não seguiram os mesmos passos.

E por isso a culpa não deve recair apenas no atual prefeito, como disse. São décadas de falta de investimento que levaram ao caos havido.

Sem dúvida que a precipitação de água em magnitude elevada, como a que ocorreu, é um fator importante para as galerias e rios não darem conta do recado, além do que, lutar contra a força da natureza é uma missão muitas vezes árdua e ineficaz, pois ocorre o colapso da rede, contribuindo para a ocorrência de uma enchente.

É o mesmo que tentarmos colocar dois litros de água em uma garrafa de 500 ml. Não cabe, vai transbordar e molhar tudo ao redor.

Mas vamos ao que precisa ser feito. Há necessidade de investimento pesado em obras de contenção de enchentes e escoamento das águas. São obras caras, que requerem milhões de reais em investimento e que pouquíssimos gestores têm interesse em fazer isso, pois, em regra, são obras que não aparecem aos olhos dos eleitores para tais políticos fazerem “média” com a população.

E, realmente, para as próximas décadas, haverá necessidade de termos uma gestão de excelência por aqui, onde a máquina pública deve ser enxuta e as prioridades devem ser analisadas uma a uma, com muito critério, além de se buscar recursos junto aos governos federal e estadual para que não se aumente ainda mais a dívida pública da cidade e que passa dos R$ 700 milhões.

Necessário se faz:
1) construção de algumas bacias de detenção e/ou contenção;
2) alargamento e aprofundamento da calha dos rios que cortam a cidade;
3) limpeza dos bueiros e galerias que, segundo consta, há muitos anos é feita e a sujeira acumulada limita em cerca de 50% o escoamento das águas;
4) reconstrução das galerias sob a Via Expressa, com aumento significativo da vazão, pois já estão colapsadas e podemos ter, em breve, uma tragédia ainda pior do que a ocorrida;
5) desassoreamento das represas existentes;
6) conscientização e incentivo das pessoas para não jogarem lixo nas ruas, especialmente aos adultos que não tiveram programas desse gênero nas escolas quando eram crianças e adolescentes. Reciclar é preciso;
7) criação de uma Comissão de Drenagem Urbana na Câmara Municipal da cidade para estudar e buscar apoio técnico, visando encontrar soluções que possam minimizar o problema, além de sugerir e fiscalizar o que a Prefeitura fará;
8) criação ou aperfeiçoamento das normas para melhor controle do uso do solo. E aqui já temos uma vantagem de não existirem áreas de risco ocupadas, que é um fator que favorece as inundações;
9) identificação das causas que vêm gerando as enchentes em Araraquara, com objetivo de se atuar na questão preventiva;
10) análise técnica para Araraquara ter um conceito de cidade-esponja, a qual teria grande capacidade de absorver a água da chuva, minimizando, com isso, o risco de alagamentos;
11) do ponto de vista da chamada engenharia naturalística, analisar o aumento das áreas que possuam jardins infiltrantes e pavimentos porosos nas vias públicas;
12) aumento das reservas florestais nas margens dos rios e controle mais eficaz do desmatamento;
13) estruturação de sistemas de alerta, em conjunto com a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (CEDEC), para aviso rápido à população sobre eventuais temporais a ocorrerem na cidade;
14) construção de galerias de captação de águas pluviais nos locais que inexistem (Av. Vaz Filho, Jardim Maria Luiza, Parque Igaçaba, dentre outros).

Ou seja, há necessidade emergencial de planejamento urbano mais consistente e isso custará alguns milhões de reais aos cofres do município. Mas é preciso correr com tais estudos para que outras famílias não tenham que enterrar seus entes queridos. Porém, que não se siga o mau exemplo da Ponte dos Machados, que há praticamente dois anos aguarda solução definitiva.

(*) Wagner Tadeu Silva Prado é Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP); bacharel, mestre e doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública; bacharel em Direito; especialista em Gestão de Segurança Pública e Justiça Criminal pela Universidade de São Paulo (USP)

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