A controversa está exatamente no fato de que, especialmente na empresa limitada, esta desconsideração e possibilidade de atingir os bens particulares dos sócios, seria uma afronta ao objetivo principal para qual existe esta espécie de sociedade: segregar os bens, delimitar e restringir a responsabilidade de cada sócio ao valor de suas respectivas cotas sociais.
A MP 881/2019 inseriu várias regras que, a princípio, dificultam a possibilidade de comprovação de abuso ou desvio de finalidade da empresa, com o objetivo, suponho, de propiciar estímulo e segurança jurídica para que investidores apliquem capital ocioso na retomada de desenvolvimento e crescimento do país.
Pelas novas regras, a confusão patrimonial é a ausência de separação de fato entre os patrimônios da empresa e de seus sócios e administradores, caracterizada por: (i) cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa (por exemplo, pagar contas particulares pela conta bancária da empresa); (ii) transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante (exemplo, transferência bancária para cobrir o limite do especial da conta particular) e (iii) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial (por exemplo, usar o carro da empresa como se particular fosse).
Outra alteração foi a de que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica, bem como a mera existência de grupo econômico, por si só, não justifica a desconsideração da empresa.
Embora as alterações somente possam ser aplicadas em casos novos, não se pode fazer vista grossa ao atual entendimento do Poder Judiciário, neste caso específico, a recente decisão da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, na hipótese de ocorrência de fraude para oportunizar sonegação fiscal ou esvaziamento patrimonial dos reais devedores, que a lei permite estender para todas as pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico a indisponibilidade de bens (Recurso Especial n. 1.656.172).
Entendeu o STJ que nas execuções fiscais contra uma empresa integrante de um grupo econômico, em “se tratando de atos fraudulentos, a indisponibilidade de bens decorrente da medida cautelar fiscal não encontra limite no ativo permanente, podendo atingir quaisquer bens, direitos e ações da pessoa jurídica e, eventualmente, dos sócios, nos termos do artigo 11 da Lei 6.830/1980”.
O STJ entendeu que haveria a possibilidade de aplicar a indisponibilidade de bens a todas as empresas integrantes do grupo econômico, seus sócios e administradores, em medida cautelar fiscal nos casos onde se verifica “fortes indícios de fraude”.
O ponto de divergência de entendimento, a nosso sentir, está no fato da MP 881 determinar que o abuso ou o desvio deverão ser provados, enquanto que o STJ direcionou um entendimento para a constatação de indícios.
Este tipo de insegurança jurídica é um dos grandes entraves para o efetivo crescimento e desenvolvimento da economia, mormente quando se vislumbra tamanha disparidade de entendimento adotado pelo Poder Executivo que em certa medida está diametralmente oposto ao entendimento do Poder Judiciário.
* Ubiratan Reis é advogado tributarista/econômico e escreve para a Revista Comércio, Indústria e Agronegócio (ubreis@gmail.com)