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El Estallido – O Chile se revolta

Por Domingos Carnesecca Neto

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Chile e Brasil (4)

Na transição da ditadura para a democracia, vigente hoje no Chile, houve o retorno da legalidade dos partidos políticos tradicionais e estes estabeleceram um governo chamado de “concertación”, que em bom português quer dizer “acordão”. Ou seja, um governo novo para que tudo fique como estava. O general Pinochet continuou no comando e uma nova Constituição foi imposta ao Chile.

Isto não impediu que o povo chileno rompesse o casulo do medo e, tal qual uma borboleta, voasse em busca da felicidade.

Os anos da ditadura, da repressão, do medo, foram sendo superados com muita luta, muita organização popular e uma grande disposição para mudar. Este folego se refletia nas muitas, incontáveis reivindicações que foram lançadas no debate político desde meados dos anos 2000, quando estudantes secundaristas, “os pinguins” por conta do uniforme que usavam, saíram nas ruas e ocuparam as escolas na maior greve até então na história chilena.

Os estudantes se organizaram, assim como pais e mães, professores e funcionários das escolas, e isto foi impactante para toda a sociedade.

Temas distintos, como transporte público, saúde, violência sexual, foram objeto de grandes manifestações no correr dos anos 2000.

Vieram as lutas contra a construção de represas na Patagônia Chilena, contra juros e cobranças indevidas no comércio, contra combinação de preços no setor avícola, contra restrições aos pescadores, contra preços de papel higiênico. Os temas e os debates cada vez mais amplos e as consequências mais drásticas.

Nós aqui no Brasil continuávamos a olhar o Chile como o país de grande crescimento econômico, de bons destinos turísticos no inverno, e não enxergamos que tudo estava se dissolvendo no seio da sociedade chilena.

Escândalos financeiros se descobrem em fraudes até em fundos do exército chileno. Enquanto a elite se esbaldava com dólares as aposentadorias dos chilenos, baseadas num modelo de fundos de investimentos rendiam cada vez menos empobrecendo milhões de aposentados chilenos.

Em 2016, os aposentados saem as ruas, parando novamente o Chile. Dez anos após os jovens secundaristas, as ruas são ocupadas pelos vovôs e vovós.

Já os governantes minimizavam os protestos e não lhes davam importância. Tratavam de vender, mundo afora, a imagem do Chile próspero e tranquilo.

A verdade era um Chile em crise e convulsionado.

A grande explosão, “el estallido”, se deu em 2019 quando manifestantes ocuparam toda a capital, Santiago, e cercaram o Palácio Presidencial “La Moneda”. Neste momento estava claro para todos que nem os governos da “concertación” nem o governo de direita que o sucedeu teria condições de governar.

O povo, em especial os jovens, ocupou as ruas e com grande violência desencadeou ações como a queima de estacoes de metro, de lojas, de ônibus, de praticamente tudo que viam pela frente.

A falta de visão político-social era tão grande que, mesmo com Santiago em chamas, o presidente Piñera  e outros demoraram pra entender a gravidade do momento político.

Durante dias e semanas os conflitos se espalharam desencadeando uma feroz repressão policial, que ajudou a gerar mais protestos, e que deixou centenas de feridos com grande gravidade. São 460 os que perderam a visão por conta das chamadas balas de borracha disparadas pelos “Carabineros”, a Policia Militar do Chile.

Apenas em marco de 2020, com a pandemia e as restrições impostas aos chilenos, as manifestações diárias pararam.

Os jovens estavam comandando uma quase revolução, que incluiu na sua pauta questões de gênero, de orientação sexual, de defesa dos animais, dos direitos dos povos originários – os indígenas, além de reivindicações pelo ensino público e gratuito, por assistência médica, por melhores salários, por jornada menor de trabalho, e muitas outras.

Uma assembleia constituinte – a Convención Constitucional, foi eleita de maneira paritária única no mundo, e eleições legislativas e presidenciais foram realizadas, a partir de um acordo entre manifestantes e governo para evitar sua queda.

Numa grande confusão de siglas partidárias, lideranças e instituições, destacou-se Gabriel Boric, militante da esquerda independente, que se tornou líder estudantil em 2010, deputado em 2014 e agora, em 2022, Presidente. A guiar-lhe os passos, um Congresso dividido e uma Constituinte que funciona paralelamente escrevendo uma nova Constituição que será submetida a um plebiscito.

E, com tanta polemica,  este é o assunto do nosso próximo artigo.

O Portal RCIA acompanha neste momento os acontecimentos vivenciados no Chile e está apresentando reportagens que pontuam o histórico de vida do país.

(*) Domingos Carnesecca Neto, Bacharel em Economia/UNESP, Licenciado em História/UNINOVE.

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