Apesar de termos um Estado nacional consolidado, são constantes os sinais de animosidade inconstitucional entre a elite dos três poderes. Elite que não percebe os sinais de esgotamento dos seus juízos a respeito do que sejam nossos tabus institucionais. De que recurso legal dispõe o povo para conter ideias, opiniões e decisões próprias e particulares de altas autoridades no poder? Virou costume aceitar arbitrariedade, consciência falsa do que é o elevado sentido do exercício do poder. Desentendimento que trava o surgimento de uma melhor visão sociopolítico-econômica dos nossos problemas.
A consequência disso é perceber que a sociedade desinformada sobre as razões dos antagonismos se volta cada vez mais para ideias populistas, tanto de direita como de esquerda. A marcha mais rápida, no entanto, é ver comprometido o horizonte de nossos sonhos. A perda da perspectiva, humanamente essencial, do que seja um estado de direito.
A sociedade está embalsamada e não quer, ou não sabe, valorizar a habilidade da razão e da autonomia para a tomada de decisão. Com isso, não influencia para que surja uma nova visão informada de compreensão política de caráter apartidário. E como também é grande o desprestígio das pessoas independentes, o modelo de exercício do poder republicano não contribui para que o padrão da educação mude de patamar e qualidade. A opinião ácida de grupos e guetos visa esconder a ambição que é a luta geral pelo poder nas altas esferas. Não é polarização, é pura dissimulação.
A política não é a única dimensão da vida. A sobrepolitização de tudo reflete o interesse da elite do poder exclusivamente em eleição e suas raízes na luta partidária. Assim, não vamos vislumbrar algo estável e consistente, preso a este exercício palavroso e sem qualidade da democracia. Desaparelhada como está, a sociedade tem dificuldade para entender a densidade e a qualidade do espírito de nossa época. E como se acostumou com o “jeitinho” – o favorecimento no lugar do respeito – não se organiza coletivamente para confrontar os fatos e ser ouvida. O Brasil está perdendo a capacidade de perceber, com lucidez e sem fanatismo, o que está se passando com o poder estatal no mundo, dominado por condicionamentos antidemocráticos.
Sem dar chance a outra forma de acreditar e de sonhar, nossa época não enfrenta os novos horizontes que se abrem e expõem à sociedade transformações rápidas e complexas. A culminância de tudo é a perda da capacidade de avaliação das situações de risco que corremos por nos conformar em ser uma nação intelectualmente estagnada, vendo a política abarrotar de desencanto o conformado cidadão.
Que venham um Feliz Natal e um Ano Bom.
(*) Paulo Delgado, sociólogo, e, foi Deputado Constituinte e colabora com o RCIA
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