Eu ouvi o áudio do assassino dizendo de suas motivações um pouco antes da chacina e não vi ali nenhuma psicose, nenhum delírio, nenhuma distorção de realidade, ou qualquer coisa que demonstrasse perda de realidade ou incapacidade de julgamento moral. Ele inicia o áudio pedindo desculpas, ou seja, tem noção de estar cometendo um crime, em seguida diz da sua motivação que é real, nada delirante: a esposa decidiu se separar e ele “não consegue viver sem ela”. Diz que dedicou toda sua vida à esposa e deixou até de “pular a cerca”, por isso não merece o abandono, discurso velho e comum na boca do homem queixando de uma separação: “eu não deixei faltar nada, aí ela vem e me falta”.
Ele diz que entrou em depressão, mas a depressão que ele descreve nada mais é que uma tristeza motivada pela separação. Por fim, ele descreve o motivo do desenlace: “ela diz que não aguenta mais o fato das coisas serem sempre do jeito que eu quero”. Ou seja, ela tinha razão. Ou as coisas seriam do jeito dele, ou de jeito nenhum: e esse foi seu ato final.
Óbvio que não é possível fazer um diagnóstico preciso a partir de um recorte desse, mas pelo meu histórico de 30 anos trabalhando no campo da saúde mental e pela urgência de enxergarmos esse ato com deve ser, vou me autorizar a dizer que Fabiano Garcia não tinha nenhum transtorno mental (aliás foi o que a PM também informou). Por mais que seja difícil escutar, o fato é que Fabiano é só mais um homem normal, um machista, misógino normal, armado e empoderado pela farda e pelo Fascismo que nos governa. Só mais um macho normal, do tipo que nós mulheres temos que lidar todo dia, que acreditam que o mundo deve funcionar do jeito que querem ou derrubam o mundo. Só mais um homem normal que não pode ser contrariado nem rejeitado. Só mais um homem Bolsonarista normal, cidadão de bem, defensor da família, que acha normal um presidente que faz do discurso de ódio, do machismo e da misoginia, politicas de governo. Infelizmente, Fabiano é um homem normal no Brasil de 2022.
Ao contrário do que disse, Fabiano saberia sim viver sem a esposa, o que ele não poderia, é viver com a rejeição e a humilhação de uma mulher que ousa contrariar sua vontade. Fabiano não é doente mental, mas é um sintoma do nosso Brasil, em especial o de hoje. Um Brasil violento, bruto, ignorante e perverso, especialmente com suas mulheres.
*Rita Almeida, é psicóloga, escritora, psicanalista em formação, mestre e doutra em Educação
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