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Reforma às avessas

Por Marcel Solimeo

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O governo enviou ao Congresso mais uma proposta polêmica como parte da Reforma Tributária. O projeto de Lei 2337/21 altera legislação do Imposto de Renda e, em conjunto com o PL 3887/21, que trata das mudanças no PIS/COFINS e cria a CBS, formam a primeira etapa de uma Reforma Tributária fatiada. Antes de tecer considerações sobre os projetos, caberia indagar sobre a oportunidade das medidas propostas.

Constata-se, no momento, o avanço da vacinação e indicadores positivos de diversos setores das atividades econômicas, sinalizando para a possibilidade de superação da fase crítica da pandemia e a retomada da economia, apesar de o desempenho não ser uniforme em todos os segmentos.

É preciso, contudo, não subestimar as muitas dificuldades ainda enfrentadas, especialmente no setor de Serviços e, sobretudo, o enorme passivo econômico e social da pandemia, que ainda exigem a atenção dos governantes.

As restrições impostas por longos períodos ao funcionamento de diversas empresas geraram dificuldades e o acúmulo de dívidas tributárias e bancárias, que exigem apoio de natureza financeira e fiscal dos governos. Sem ajuda, essas empresas não terão condições de acompanhar o ritmo de recuperação da maioria dos setores da economia.

No campo social, além dos problemas na área da saúde, resultantes da pandemia, se somam o aumento da desnutrição e da pobreza e, principalmente, o desafio da educação.

Com seu impacto econômico e social, o desemprego exige atenção especial. A maior informatização da economia no período da pandemia, resultou na destruição definitiva de muitos postos de trabalho e mudança no perfil do trabalhador demandado pelo mercado.

No momento, parece ser mais urgente e importante a adoção de medidas para a superação desse período, que mudanças estruturais. Não se tem ainda uma visão clara dos resultados dessa fase de transição, o que desaconselha mudanças drásticas da legislação.

O projeto 2337/21, que promove profundas mudanças na tributação da renda, é inoportuno e inconveniente, pois nada tem a ver com a Reforma Tributária e, menos ainda, com as medidas necessárias para superação da fase de transição.

Não se esclarece quais problemas urgentes o PL pretende resolver, que pudessem justificar sua apresentação neste momento. Ele parte de uma visão ideológica equivocada, de que tributar os ricos beneficia o pobre, ignorando que a desarticulação da economia prejudica o emprego e renda. Justiça Social, no momento, é a geração de emprego, que assegura renda e dignidade ao trabalhador. O artigo 170 da Constituição Federal diz que a dignidade, segundo os parâmetros da justiça social, se conquista pela valorização do trabalho e da iniciativa.

A proposta de correção da Tabela do IRPJ, que parece politicamente atraente e que poderia ser compensada com remanejamentos da própria tabela, serve de pretexto para mudanças profundas que resultarão não apenas em significativo aumento da carga tributária, mas também na desorganizar a economia.

Os investimentos e as aplicações financeiras realizados com base nas regras vigentes poderão ter seus resultados alterados. A par de promover burocratização, em vez de simplificação, a proposta gera incerteza, insegurança jurídica e quebra da confiança dos agentes econômicos, com reflexos negativos sobre a atração de investimentos externos e   desestímulo aos empreendimentos internos.

Quando se consideram os resultados das propostas do imposto de renda, e as da CBS em conjunto, constata-se que o efeito combinado das duas se potencializa, e praticamente inviabiliza a sobrevivência de diversos segmentos do setor de Serviços.

Diversas entidades têm apresentado cálculos demonstrativos dos impactos dessas propostas para cada segmento, com variações do aumento da tributação muito expressivos que contestam a neutralidade anunciada pelo governo. Parece que com o projeto 2337/21, o governo conseguiu unanimidade nas críticas dos empresários mas, em compensação, ganhou o apoio da esquerda.

A maior preocupação das entidades é que, na pressa de mostrar resultados no avanço da Reforma Tributária, a Câmara dos Deputados aprove rapidamente os projetos do governo. O que se espera é que o presidente da Câmara encaminhe para as Comissões e dê oportunidade para que as entidades possam, em audiência pública, mostrar os riscos e inconvenientes das propostas.

*Marcel Solimeo, é economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo

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