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Viver ou meditar?

Por Luís Carlos Bedran

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Depois da internet, qualquer assunto que se queira discorrer já não pode mais ser considerado inédito, porque alguém, sob alguma forma, em algum lugar, já falou sobre ele. Talvez a única diferença, se existente, seria apenas a maneira de colocá-lo ou interpretá-lo. Mesmo assim corre-se o risco de o autor ser apontado como plagiador. Tanto é verdade que, para corroborar tal afirmação, basta procurar o tema no Google e o investigador lá encontrará tudo o que poderia interessar para satisfazer sua curiosidade e aí então, se quiser, poderá confirmar que o articulista ou o cronista nada mais fez senão escrevinhar obviedades desinteressantes, tão somente para preencher o espaço da revista.

É verdade que nem todo leitor se dispõe a querer descobrir isso, mesmo porque ele também, por sua vez, não quer se preocupar, quer igualmente se distrair, passar o tempo a ler o escrito em apenas alguns minutos e não ficar a pensar muito sobre o assunto. O que ele deseja mais é viver. E a leitura costuma ser uma forma rápida, geralmente agradável, de um lazer sem consequências sérias.

Pois esse é o assunto: viver ou meditar? Entre o viver e o refletir, qual seria o melhor para nós? Seriam situações excludentes ou não? Qual delas estaria mais perto da felicidade? Não é ela, a felicidade, o objetivo maior do ser humano para enfrentar a vida, cheia de obstáculos e incertezas?

Considerando ser essa a finalidade que todos almejamos, então não devemos nos preocupar tanto em usar a razão, porque esta tem sido geralmente a causa das infelicidades que sofremos. Pode até ser que o raciocínio lógico seja um bom caminho para se atingir o bem-estar, mas não é suficiente. É um caminho penoso, sofrido, que nem sempre se consegue chegar à plenitude.

É o caso da ciência, por exemplo. Ninguém duvida que o uso da razão, que é a característica básica da ciência, chegou neste século a descobertas incríveis que nos têm levado a melhorar o padrão de vida e ao aumento da longevidade. Diminuiu a pobreza no mundo, aumentou a escolarização, houve um acesso extraordinário aos bens de consumo e serviços, tudo devido ao pensamento científico.

Nem tanto nos apercebemos disso, pois essa evolução já a consideramos como normal: faz parte integrante do nosso cotidiano. Nem pensamos mais sobre isso.  Apesar disso, ao mesmo tempo, o ódio político aumentou, assim como a intolerância, o preconceito e a violência no relacionamento entre as pessoas. A conclusão a que se chega é que a felicidade dessa forma não pode ser encontrada.

É o caso de se perguntar: de que adianta termos tanta informação, tanto progresso, se tais conceitos não nos conduzem à felicidade? Então não devemos nos deixar influenciar pela razão e sim, se possível, em caráter pessoal, individual, viver sem refletir demais. Tentar viver apenas.

Mas o que é o viver? Isso vai depender de cada um de nós, pois é fruto de experiências pessoais, sensoriais que vêm desde a infância. O que mais importa mesmo é não se deixar envolver por pensamentos, cujas eventuais ações decorrentes deles dependerão de circunstâncias que fogem completamente ao nosso controle.

O que implicaria em não sair do mesmo lugar, em preocupar-se com um futuro inexistente, ficar a especular como resolver o problema presente e, ipso facto, não conseguir aproveitar o que a vida nos oferece, aquilo que pode nos dar prazer, felicidade, bem-estar.

E tudo dentro das possibilidades de cada um, porque querer saborear caviar, angustiar-se em não ter condições para tal tão somente porque uma sociedade rica diz que é excelente, certamente poderia levar-nos à frustração. Querer simplesmente andar, aquele que mal consegue fazê-lo, doente que está e não se conformando com isso, ficar a matutar sobre sua infeliz condição, é sofrer duplamente. Como no verso da canção de Moacyr Franco,“Mundo Maluco”: “(…) se penso eu choro” ou no de Caetano Veloso, “Mora na Filosofia”, “(…) Pra que rimar amor e dor”?

A felicidade não é querer o impossível; é tentar procurar conformar-se com o possível, com o aqui e agora, sem penar a se recordar do passado (se conseguir, mas somente nas coisas boas) ou a especular sobre o futuro. O viver e o meditar não se contrapõem. Mas há de se estabelecer prioridades.

Se conseguirmos viver plenamente, dentro das circunstâncias reais e sem pensar demais — o que poderia nos levar à angústia existencial —, então poder-se-ia afirmar que a felicidade, embora sempre momentânea, foi alcançada.

Luís Carlos Bedran, sociólogo e cronista da Revista Comércio, Indústria e Agronegócio e do Portal RCIARAR

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