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Bird Clemente, primeiro piloto profissional a competir em Araraquara

A Revista do Comércio, Indústria e Agronegócio de Araraquara, traz para suas páginas as recordações de Bird Clemente (piloto de automobilismo), Miguel Crispim Ladeira (mecânico encarregado do departamento de competição da equipe DKW – Vemag) e Kiko Malzoni (filho de Rino Malzoni, que projetou o 1º GT Malzoni, que posteriormente se tornou Puma). Eles falam das emoções do automobilismo, das corridas nos autódromos e circuitos de rua, inclusive de Araraquara.

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Bird empurrando o cartro para a largada tendo ao seu lado o mecânico Crispin

O nome de Bird Clemente está gravado na história do automobilismo brasileiro. Uma revista internacional realizou pesquisa sobre os 50 melhores pilotos do mundo que nunca passaram pela Fórmula 1; dois nomes brasileiros foram escolhidos, Gil di Ferram (campeão da Fórmula Indy) e Bird Clemente.

Concessionários da Willys Overland do Brasil S.A. Araraquara, representados pelos Irmãos Barbugli, Bird Clemente foi integrante da equipe Willys de competição juntamente com Luiz Pereira Bueno, Wilsinho Fittipaldi, Carol Figueiredo, Chico Lameirão e José Carlos Pacce. Pouco depois veio o caçula Emerson Fittipaldi, que havia obtido recentemente sua carta de habilitação. Naquele período, destes sete pilotos de corridas de autódromos e circuitos de ruas, cinco foram para a Europa, três disputaram campeonatos mundiais.

Bird Clemente

Respeitado pelos demais pilotos, Bird não demonstra nenhum arrependimento em ter ficado no Brasil e ajudar o pai, industrial no ramo de artefatos de papel. Mas, foi ele o primeiro piloto a receber salário para correr, dando início a profissionalização no automobilismo e uma acirrada disputa das fábricas de automóveis no Brasil. Mais que o dinheiro, os pilotos apaixonados por corridas se contentavam em ser agraciados com um carro para correr.

Com o surgimento da Vemag – Veículos e Máquinas Agrícolas S.A., que teve seu auge no final dos anos 50 e início de 60, produzindo sob licença os veículos da fábrica alemã DKW (integrante da Auto Union, atualmente Audi), o automobilismo ganhou força. Os modelos produzidos pela Vemag no Brasil, com mecânica DKW, foram o sedã Belcar, a camioneta Vemaguet e suas derivadas “populares”, Caiçara e Pracinha, o jipe Candango e o cupê Fissore, totalizando pouco mais de 115.000 unidades ao longo de onze anos. Bird explica que a Vemag começou a produzir os DKW no Brasil em 1956, surgindo com isso a primeira Edição das Mil Milhas Brasileiras.

Vereador Mário Ananias dando entrevista a Arlindo Bárea (Ràdio Voz), tendo ao seu lado o prefeito Benedito de Oliveira

A indústria de autopeças no Brasil proporcionava sustentabilidade para tudo aquilo que estava acontecendo naquela época, conta o piloto. Assim a diretoria da empresa não demorou a perceber que existia forte atração dos brasileiros pela marca DKW, alavancando as vendas face o sucesso nas pistas e circuitos de ruas, pois o objetivo era indicar semelhanças dos carros de corridas com os de uso pessoal. Bird não pensou duas vezes em pedir ao diretor da fábrica Leszk Billyk um carro para andar nas ruas, fora dos circuitos das corridas, para fazer uma espécie de propaganda ambulante e a divulgação da marca. Após dez dias Bird Clemente e seu companheiro de corrida Mário César Camargo Filho (Marinho), foram chamados para receber durante almoço na fábrica Vemag um carro de frota com todas as características mecânicas dos carros das pistas para ser utilizado também nas ruas. Os veículos foram personalizados e naquele momento, além dos pilotos estarem extasiados de alegria por serem reconhecidos, a estratégia do marketing estava estabelecida para divulgação nas emissoras das rádios e nos grandes jornais.

Propaganda da corrida em Interlagos e o carro DKV

Miguel Crispim, considerado o Dr. DKW, mecânico e encarregado do Departamento de Competição da equipe Vemag ainda hoje lembra que estes carros destinados aos pilotos, tinham a mecânica dos carros das pistas, havendo assim um aproveitamento de testes de resistência para as ruas, mostrando a qualidade da marca. O processo de avaliação do desempenho do carro em uma corrida, equivalia a 3 meses de análise.

Na corrida de Mil Milhas de Interlagos em 1966 foram utilizados 80 pneus, dois mil litros de combustível para alimentar cinco carros de corrida. Com um estilo arrojado, Bird pilotava os carros e andava de lado nas retas que antecipavam as curvas dos autódromos, pois a mesma manobra se aplicaria nos circuitos de ruas que exigia mecanicamente muito mais dos carros. Também era preciso cautela para não colidir com as guias, atingir os postes e o público, numa época em que os recursos de segurança eram precários. Isso era comum em Curitiba, onde os pilotos travavam duelos em ruas de paralelepípedos, chuva e trilhos de bondes. Bird era considerado o mestre de andar de lado, superou sua magnitude ao pilotar da mesma forma uma Kombi. Pura arte do domínio em cima da máquina, ainda sem contar com a tecnologia para a comunicação entre os pilotos e o box. Desta forma era o casamento perfeito do piloto e o carro.

Apresentação do Interlados no aniversário de Araraquara; era o lançamento da Willys

Em 1962,, na inauguração da Avenida Bento de Abreu, o prefeito Benedito de Oliveira, ao lado do vereador Mário Ananias, organizou duas provas de automóveis em datas próximas ao aniversário de Araraquara. Assim, em 19 de agosto de 1962, o primeiro Circuito Araraquara de Automobilismo, aconteceu em uma pista de corrida improvisada que era a Bento de Abreu, tendo saída e chegada próximas do Balão do Soldado Desconhecido, adentrando na avenida 36, indo até o Pau Seco, retornando pelo mesmo trajeto. Durante dois anos Araraquara esteve incluída no calendário das charmosas competições do cenário nacional do automobilismo.

Bird com seu antigo mecânico Crispim, mais Giovani Peroni (RCIA) e Kiko Malzoni em Poços de Caldas

Foi uma grande festa, exclama Bird Clemente, que competiu no Grupo III com seu DKW Vemag, 981 cc, número 12, ficando na segunda colocação; no meio dos pilotos, Mário César de Camargo Filho, o imbatível piloto das DKWs, número 10, que correu contra Wilson Fittipaldi e outros grandes nomes da época, e venceu todos. Marinho correu por aqui com o DKW de fábrica, mas carregando o nome da cidade na carroceria e propaganda da concessionária DKW local, do empresário Mário Darezo. O evento foi um sucesso, tanto que no ano seguinte a dose foi repetida com o II Circuito Araraquara de Automobilismo no mesmo local, em 25 de agosto 1963. Marinho foi novamente o grande destaque naquela oportunidade e Bird até hoje reconhece o talento do seu companheiro pela genialidade.

ARARAQUARA E REGIÃO NA ROTA DOS CARROS MALZONI

Na fazenda em Matão o início da fabricação dos carros da família Malzoni

“Transformar ideias e sonhos em realidade era o que movia Rino Malzoni, que não se preocupava em registrar oficialmente a construção e autoria de seus automóveis”, recorda Kiko Malzoni sobre seu pai. Foram repórteres fotográficos ou amigos que registraram a maior parte das fotos que mostram a fabricação de seus protótipos na fazenda em Matão ou em Araraquara. GT Malzoni, modelos Puma, Onça, GT4R e o Carcará, são modelos desenvolvidos por este construtor de carros.

Para construir seu primeiro carro, Rino optou pela mecânica DKW, pois o pequeno carro era resistente e tinha uma estrutura tradicional, com chassi separado da carroceria. O motor dianteiro, apesar de ter apenas 1 litro de capacidade, era de dois tempos e alcançava cerca de 50 cavalos de potência. A arquitetura semelhante ao sedã Volkswagen, construído sobre uma plataforma de aço estampado, contava apenas com cerca de 30 cv, com motor 1.200 cm³ colocado na traseira. Por volta de 1962, partindo de um desenho básico, Rino começou a fazer um gran-turismo 2+2 (quatro lugares) sobre o chassi DKW. A construção levou quase dois anos.

Para o trabalho ele precisava ter ao seu lado mais que um mecânico, alguém que também fosse funileiro, pintor eletricista e tapeceiro. Um profissional de Araraquara, Pedro Molina mudou-se para a fazenda Chimbó tornando-se o braço direito na nova oficina, instalada no galpão da fazenda. Outro homem chave da oficina entrou na sua equipe alguns anos depois: Francisco Vaida também foi descoberto em Araraquara, onde trabalhava numa oficina de caminhões. A estreia do GT Malzoni no mundo das competições aconteceu em 19 de julho de 1964, na prova Seis Horas ABCAT, em Interlagos. Pilotando o Tipo II, com carroceria de chapa de aço, Marinho conseguiu o quinto lugar na segunda bateria, com duração de duas horas.

Crispim, mecânico de Bird Clemente volta ao local das provas (Avenida Bento de Abreu) – 57 anos depois, acompanhado de Giovani Peroni

Anualmente estas maravilhosas máquinas do passado podem ser vistas no Blue Cloud (“fumacinha azul”), criado em 2003, em Poços de Caldas, cidade mineira, que criou estrutura, cenário próprio e apoio perfeito para sediar definitivamente o encontro da Família Dekaweana, contando com a presença dos apaixonados pelos modelos DKW. Araraquara é representada com a participação do casal Alberto Gonçalves Cerqueira e sua esposa Adélia Helena Messi Gasparello, donos de uma Vemaguet, ano 1966.

* Texto: Giovani Peroni; colaboração de Domingos Carneseca Neto (historiador) e Miguel Crispim (encarregado mecânico da equipe DKW Vemag competição)