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CPI da Furp acusa governo de SP de sucatear para fechar fábrica pública de remédios

Governo afirma que a Furp causa um prejuízo anual de R$ 57 milhões ao Estado

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Fachada da fábrica de medicamentos Furp em Américo Brasiliense

A maior fabricante e fornecedora de remédios para o SUS (Sistema Único de Saúde) do Brasil deve estar com os dias contados. Amanhã (5), a CPI da Furp (Fundação para o Remédio Popular) vai indicar na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) o futuro da fundação, que nos últimos anos foi endividada, perdeu produtividade e foi vítima de escândalos de corrupção em meio a falhas estratégicas por parte do governo do Estado, que agora quer fechar a autarquia. Os indícios de que a má gestão prejudicou a fundação e de que os prejuízos são utilizados como justificativa para fechar a Furp constam dos documentos da CPI que embasaram os relatórios preliminares apresentados na semana passada.

Hoje, 625 dos 645 municípios em São Paulo e 52 cidades em 18 estados recebem remédios da Furp, distribuídos gratuitamente pelo SUS a quem não pode pagar. A fundação, com uma fábrica em Guarulhos e outra em Américo Brasiliense, produz alguns medicamentos que o setor privado não quer fabricar em função da baixa margem de lucro. São remédios para tuberculose, meningite e hanseníase.

Quando os problemas começaram De acordo com os documentos da CPI, as dificuldades na Furp começaram em 2002, com a decisão de construir sua segunda fábrica em Américo Brasiliense, a 280 quilômetros da capital. Segundo delação premiada ao Ministério Público, executivos da Camargo Corrêa teriam pago propina para que a fundação indenizasse a construtora em R$ 22 milhões por supostos prejuízos com a construção do prédio, concluída em 2009.

Mas os problemas se intensificaram em 2013, quando o governo paulista prometeu dobrar a produção de remédios ao entregar a nova fábrica para ser administrada em PPP (Parceria Público Privada) pela EMS, a maior farmacêutica do Brasil. O que ocorreu, no entanto, foi o oposto. Em 2014, a unidade de Guarulhos, em atividade desde 1968, produziu, sozinha, 1 bilhão de unidades de medicamentos. Quando a nova fábrica passou a operar de fato, em 2015, a produção de remédios das duas unidades começou a cair vertiginosamente, chegando à metade da produção em 2018: 529 milhões de unidades.

Ao mesmo tempo, a dívida da Furp passou de R$ 87 milhões para R$ 109,7 milhões em quatro anos, a maior parte dela em razão da PPP. Se em 2015 a parceria respondia por 15,6% da dívida (R$ 17,2 milhões), no ano passado já equivalia a 85%, ou R$ 93,7 milhões. A maior fatia desse prejuízo se deve ao contrato de remuneração do governo com a EMS, que gerou uma dívida de R$ 72 milhões, segundo a Furp.

O acordo era que a PPP fabricasse 96 medicamentos. Hoje, no entanto, a fábrica de Américo Brasiliense produz apenas 18 remédios e recebe por eles R$ 90 milhões. O próprio governo reconhece na CPI que a mesma quantidade poderia ser comprada por R$ 34 milhões da iniciativa privada. Além dos prejuízos na fábrica nova, o governo transferiu de Guarulhos para as mãos da PPP quatro medicamentos que juntos respondiam por metade da produção da Furp. A decisão tornou ociosa a fábrica de Guarulhos em 42%, mas não resolveu a ociosidade de 75% da Américo Brasiliense.

Com um prejuízo anual de R$ 56 milhões por ano, o contrato de 15 anos de PPP deveria ser rescindido, indicou um estudo encomendado durante a CPI à Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), ligada à USP (Universidade de São Paulo). A alternativa sairia mais barata aos cofres públicos mesmo com o pagamento de multas.

A EMS afirma que a remuneração “segue sistemática definida no edital, não havendo pagamento por venda de medicamentos, mas por prestação de diversos serviços na PPP”. “A diferenciação das atividades torna qualquer comparação de preços inadequada, pois as bases são distintas.”.

“A fábrica sempre funcionou de acordo com a demanda solicitada pela Furp, responsável por definir um Plano de Produção apontando os medicamentos que devem ser produzidos no exercício do ano seguinte” – diz a EMS por meio de nota.

Governo quer extinguir Furp A Furp funciona desde 1968, e os escândalos se avolumaram nos últimos anos. O governador João Dória (PSDB) alega ineficiência e corrupção para defender o fechamento, que pode afetar o fornecimento de remédios para 8 milhões de pessoas em todo o Brasil, de acordo com os cálculos de funcionários da autarquia com base no Rename (Relação Nacional de Medicamentos).

“Doria não é defensor das funções públicas, apenas do que é privado”, afirmou a sub-relatora da comissão, a deputada estadual Beth Sahão (PT). “O governo propôs a CPI para convencer as pessoas de que a Furp é ineficiente e corrupta, mas foram as decisões do governo que desvalorizaram a fundação, diminuíram sua produção e beneficiaram uma empresa privada que deu prejuízo ao estado.”.

Em setembro, Doria afirmou que o governo já decidiu pelo fim da Furp. “O Governo não tem que fabricar remédios. Ele tem que estimular que eles sejam fabricados ao menor custo possível e que possam chegar com o menor custo para população.”.

Para a parlamentar, “foi intenção do governo minar a Furp para extingui-la”. “É a conclusão que chegamos por tudo o que ouvimos nos depoimentos, todas as visitas que fizemos às fábricas. É muito clara que essa é a intenção do governo.” Em seu subrelatório, Sahão pede não apenas o rompimento da PPP, mas “a adoção das medidas jurídicas cabíveis” por “ação ou omissão” no gerenciamento do contrato com a EMS. “Aqui incluídos os ex-governadores Geraldo Alckmin e José Serra”, os ex-superintendentes da Furp e “os ex-secretários de saúde”.

O principal deles é o ex-secretário Giovanni Guido Cerri, responsável por aprovar a concessão à EMS. A CPI descobriu recentemente que Cerri se tornou sócio da empresa três anos depois de deixar o governo. De acordo com o ex-secretário “isso não tem nada a ver”. “Foi um fato recente, e é um grupo que faz investimentos no setor privado. É uma parceria que foi feita muito tempo depois que eu já tinha sido secretário”, disse.

O presidente da CPI, deputado Admir Chedid (DEM), afirma que a Furp “cumpre papel estratégico ao regular indiretamente os preços praticados pela indústria farmacêutica”. “Por ter isenção de impostos e não visar lucro, ela consegue custos competitivos em vários medicamentos, puxando para baixo os valores praticados pela iniciativa privada em muitos casos”, diz. Ele afirma que a CPI chegou a “importantes conclusões” sobre “uma série de desmandos”. “A Parceria Público-Privada foi desastrosa. Essa unidade coleciona problemas desde a sua construção, com suspeitas de pagamento de milhões de reais em propinas a agentes públicos.”

“Erros cometidos no passado não podem servir como justificativa para acabar com uma fundação que é referência na produção de medicamentos, especialmente em um momento de grave crise econômica e social no Brasil, em que mais pessoas dependem da saúde pública” diz Admir Chedid (DEM), presidente da CPI.
O relatório apresentado amanhã será um dos últimos passos da CPI, cujo prazo para a conclusão dos trabalhos está marcado para o próximo dia 9. “Espero, de coração, que a CPI não seja usada como pretexto para pôr fim a este importante patrimônio de todos os paulistas. Governo não deve fechar fábrica de remédios, assim como não deve fechar escola, hospital e delegacia de polícia”, conclui.

O que diz o Estado

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde afirmou que “qualquer medida que venha a ser tomada com relação à Furp garantirá a distribuição de remédios gratuitos à população”. A pasta também afirmou que “a Furp hoje causa um prejuízo anual de R$ 57 milhões e o Estado adquire medicamentos, em alguns casos, por até o triplo do preço daqueles praticados no mercado. Estudos técnicos apontam ineficiência e a consequente necessidade de otimizar recursos públicos”.