Ele não é relojoeiro. O pai, também não era. Nem um irmão, tio ou avô foram. Trabalhou até se aposentar na antiga Telesp (hoje Vivo), mas já tinha gosto por mexer em relógios que eram – e são – verdadeiras relíquias.
“Uma vez cheguei a um relojoeiro e disse ‘me ensina, eu quero aprender’. Ele riu na minha cara, porque ou se aprende de pai para filho, ou sozinho”.
Essa declaração é de Luiz Carlos Marques da Silva, ou Lua para os amigos. Hoje ele não faz nada além de mexer em peças antigas. “Um pouco por dia, para não cansar”, relata aos risos.
Ele fez questão de apontar cada relógio que tem em sua casa, no Centro, contando um pouco das histórias, origens e curiosidades sobre todas as relíquias que guarda com tanto carinho.
Com um sorrateiro sotaque italiano e brincalhão, Lua aponta um dos relógios mais antigos que tem em sua coleção. “Veja, ‘bello’, que coisa mais linda! Eu acho que essa peça aqui deve ter mais de cem anos, é um relógio alemão que foi doado à Beneficência Portuguesa em 1929, deve ser o mais antigo de todos”.
Em outra sala, um pouco mais reservada, ele aponta um relógio redondo. “Esse aqui é de 1940, já à pilha”. Pelo menos, é o que diz o termo de garantia fixado dentro da máquina, em francês.
A pilha, entretanto, não era nada parecida com o que temos hoje, ela deveria ter uns dez centímetros de altura por, pelo menos, cinco centímetros de diâmetro.
Na sala de jantar, onde se concentra a maioria dos relógios, há uma infinidade de tamanhos – grandes, pequenos, de bolso, cuco, de corda, despertador. As marcas são inúmeras. Os mais bonitos são os alemães e suíços. “Toda a europa se dedicou a fabricar relógios de qualidade, mas foram os alemães e suíços que se destacaram mais, tanto em beleza quanto em durabilidade e funcionamento”, declarou Lua.
AMOR E DEDICAÇÃO
Lua revela que foi autodidata para conseguir conviver com a paixão por relógios. “Tudo o que sei eu aprendi sozinho. Não tem escola, professor, nada disso. Uma máquina de relógio é altamente complexa. Não falo desses relógios de hoje em dia, mas sim os tradicionais, antigos. Tem dezenas de peças e se, por um descuido, você perde uma delas, é muito difícil substituir. Muitas pessoas trazem relógio para eu consertar, porque elas confiam em mim, mas não pego qualquer trabalho, não tenho isso como sustento, mas era necessário aprender para conseguir manter minha coleção funcionando”.
RELÍQUIAS
Ao todo, são mais de 200 peças que ficam divididas um pouco em cada cômodo da casa. A maioria, na sala de jantar, é onde estão os relógios que mais fascinam.
Na garagem da casa, aos fundos, há muitas peças que estão desmontadas. São relógios nacionais, importados, a maioria com algum problema estrutural. “As pessoas me trazem quando o cupim já tomou conta de tudo, e são artigos caros, datados de 50 anos atrás ou mais. Infelizmente têm pessoas que não cuidam desses equipamentos, tão banais atualmente”, explica Lua.
Existe uma curiosidade que pode ser observada na foto ao lado direito. Há um relógio com dois candelabros afixados logo acima da máquina. Isso era feito porque, na época de fabricação, as casas raramente possuíam energia elétrica – ela não era tão difundida como hoje. As velas serviam para iluminar os ponteiros e ser possível ver a hora.
Outro fato curioso é que os relógios como mostrados nas imagens, não são à pilha ou qualquer outra tecnologia recém lançada; todo dia é necessário, literalmente, dar corda nos relógios e há algumas peças, geralmente de marcas europeias, que as cordas duram sete dias.