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Mães de autistas relatam desafios enfrentados com os filhos na pandemia

Sem terapia, com rotina alterada e restrições alimentares, crianças com TEA não se adaptam ao confinamento 

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Karina Maia (de camisa azul) ao lado de mães e integrantes da diretoria da Ampara

“Com a quebra de rotina, a falta da escola, de terapias, o Dawid começou a apresentar inúmeros comportamentos inadequados (comportamentos esses, que já tínhamos conseguido fazer a extinção), teve muitas crises, voltou a se agredir e tudo desde então está dessa forma. Tentamos de tudo! No final do ano passado retomamos as terapias (mesmo com medo da covid), mas era necessário visto a condição que meu filho ficou”. O depoimento é de Cinthia Miele de Melo, mãe de Dawid, de apenas 5 anos, portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Ela conta que no início da pandemia, nas duas primeiras semanas, o comportamento foi normal. “Inicialmente, foi bem tranquilo, mas a situação foi ficando complicada. Agora, com esse lockdown, novamente as terapias foram suspensas e, para completar, fui obrigada a ir a São Carlos para comprar as coisas que ele gosta de comer, já que nos deliveries dos mercados daqui eu não consigo comprar devido ao prazo de entrega”, acrescenta.

Cinthia com o filho Dawid, de 5 anos

Como ela, outras mães enfrentam o mesmo problema na pandemia, que se agravou ainda mais no confinamento total, já que muitas crianças autistas têm necessidades especiais e restrições alimentares. 

Alana Cristina Gomes Montezino, agente educacional da Prefeitura de Araraquara e estudante de pedagogia, também tem uma criança com TEA. Ela conta que os autistas possuem necessidades especiais, muitas vezes com restrição de alimentos. “Como mãe, isso me preocupa, porque essas crianças neuroatípicas já não consomem vitaminas suficiente no dia a dia e não podem deixar de consumir os poucos alimentos que aceitam”, complementa. 

AMPARA

Presidente da Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Araraquara (Ampara), Karina Maia se identifica com todas as dificuldades pontuadas pelas outras mães. “É muito difícil, com toda certeza. Pelas particularidades dos nossos filhos, tem sido muito complicado. Desde a mudança de rotina com a falta das terapias e escolas. O isolamento tem trazido, em alguns casos, mudanças bruscas de comportamento”, salienta.

A Ampara presta assistência não só em Araraquara, mas também nas cidades vizinhas. “Hoje temos aproximadamente 300 famílias, a maioria em vulnerabilidade, cerca de 70%.”

DEIXADOS DE LADO

Karina pondera que não apenas os autistas e suas famílias foram deixados de lado pelo poder público durante a pandemia. “Portadores de outras deficiências nesse período também foram esquecidos. Na educação, saúde e assistência social…”, lamenta.

“Não ouvimos falar sobre eles em nenhum diálogo. Volta às aulas, por exemplo, quiçá teve um programa pra eles durante esse período todo de estudo em casa. Na saúde, autista sem terapia há meses é regresso, tempo se perdendo. E a assistência social? Existem famílias que só o pai ou a mãe trabalha devido a  severidade do autismo do filho, e a maioria não tem com quem deixar e muitos não conseguem seus benefícios e a renda fica ainda mais curta”, explica Karina.

Para ela, ainda falta informação da sociedade para que as pessoas entendam as particularidades dos nossos meninos e meninas. “No início da pandemia até agora, para nós, foi muito difícil, a começar pelo uso das máscaras. Autistas não conseguem fazer o uso e tive mães colocadas pra fora de estabelecimentos ou impedidas de entrar porque o gerente do mercado não acreditava que a criança era autista, pois o autismo não possui característica física. Teve supermercado que pedia para mãe deixar a criança de 5 anos sozinha na porta, um absurdo”, relata.

RESTRIÇÕES

Sobre a questão da alimentação, ela explica que a dificuldade em pedir delivery é enorme porque existem autistas seletivos, que só comem alimento x ou y e não vai compreender porque não chegou ou porque aquele dia não tem. “Ele simplesmente não vai comer e terá crises por isso. A maioria deles não sabe o que estamos vivendo, não têm consciência sobre pandemia, vírus, uns mais, outros menos, mas a maioria não tem qualquer noção”, esclarece a presidente da Ampara.

APOIO

“Gostaríamos que a sociedade, de uma forma geral, os nossos representantes, o governo, a educação, saúde e assistência, pudessem olhar com mais afinco aos nossos autistas e suas famílias, principalmente agora, como também para as demais famílias de pessoas com deficiência”, sugere Karina. 

A Ampara tem procurado dar toda assistência às famílias de autistas, com apoio do grupo de pais, sempre se unindo para ajudar quem precisa. “Nossa luta tem sido para auxiliar no que podemos”, conclui.