O mundo do cinema caipira plantado em Araraquara nos anos 50 perde nesta quinta-feira (12) seu encanto com o falecimento de um dos últimos integrantes do elenco que fez em nossa cidade seu primeiro filme: Santo Antônio e a Vaca, versão caseira, mas excepcional para os padrões da época. E foi ele, Américo Aguiar Borges que tempos atrás contou ao RCIA as peripécias do filme que se tornou celebre no cinema brasileiro, como exemplo de ousadia.
Já na conversa com Américo – dezembro de 2018 – ele dizia ao RCIA que do elenco, poucos que tinham participado do filme estariam entre nós para poder contar como foi. Dentre eles, Américo Borges – regente e autor da principal canção do filme – e Lígia Fabiano, a Zabelinha, uma moça do interior que tenta salvar o irmão de uma briga com o filho do vizinho e acaba morta por uma carroça desgovernada, seriam sobreviventes.
O filme conta a história de duas famílias, uma delas – a de Zabelinha – com vários irmãos que tiram o sustento de uma vaca, a Mimosa, peça principal da película; a outra família, da fazenda vizinha, onde um pai cuida sozinho de um casal de filhos adolescentes.
“Em 1956, fui dirigido pelo Wallace em uma peça, atuava no TECA (Teatro Experimental de Araraquara) e conhecia várias pessoas dali. Certo dia, voltando da missa dos homens no domingo de manhã, próximo à Barroso, Inah Bittencourt, vestida com seu uniforme de aviadora, incluindo os óculos, me pediu uma canção para o filme que Wallace e ela estavam escrevendo, porém devia seguir à risca o roteiro, fazendo uma música que falasse sobre Santo Antônio e sua devoção. Procurei Jaime de Oliveira, um vizinho que me ajudou prontamente. Em alguns dias, entreguei a canção ao Wallace, que aprovou na hora”, relembrou com riqueza de detalhes, quando então já tinha completado 80 anos.
Borges acompanhou todas as gravações do longa na cidade e viajava a São Paulo para fazer a mixagem nos estúdios da Vera Cruz.
“Depois das últimas sessões do dia no Cine Odeon (onde hoje são as Lojas Americanas), nós íamos dublar as falas que foram gravadas naquela semana, pois não tínhamos tecnologia suficiente na época para captar o áudio original”, explicava Borges.
Lígia iniciou e encerrou sua carreira de atriz com este filme. “Conheci o Wallace quando comecei a participar do TECA. Fazia parte do grupo por causa dos meus amigos, uma turma muito animada e fazíamos diversas apresentações. Aí Wallace me chamou para fazer parte do filme e interpretei a Zabelinha. Logo depois do lançamento do filme, me casei e nunca mais atuei”, contou a atriz.
Mas, Américo embora fosse da cidade tinha e gostava do seu lado caipira, por conta dos traços familiares: seu bisavô Abílio Augusto Corrêa deixou em meio as gerações a Fazenda Jangada Brava, na região do Rio Jacaré, entre Araraquara e Boa Esperança do Sul. O histórico da propriedade era o plantio do café, na época o ouro verde da agricultura, função que a Família Borges assumiu e desenvolveu através da tecnologia um avanço econômico fantástico.
Um dos irmãos se tornou produtor bastante conceituado na cafeicultura paulista assumindo papel participativo, a exemplo de Américo na fundação de associações voltadas para o desenvolvimento do setor. Piracicaba foi para eles o centro das atenções dado seu posicionamento na produção da cana-de-açúcar e lá a associação da qual faziam parte fez nascer a FAESP (Federação da Agricultura).
Também na Canasol (Associação dos Fornecedores de Cana) a família Borges contribuiu com a expansão da entidade e da atividade canavieira, estendendo sua capacidade participativa na organização do associativismo, inclusive tendo forte envolvimento no cooperativismo.
No entanto, sua versatilidade extrapolava: não era simplesmente o ator do Teatro Experimental de Araraquara, nem o músico respeitado e admirado pelos seus conhecimentos; além do gosto apurado pela agricultura, ele mantinha um pequeno lacticínios aprimorado à vida do campo, fabricando queijos e demonstrando o quanto era importante viver para servir às pessoas. Só que nele havia uma outra qualidade: ser professor de Economia e suas aulas tinham um pé fincado na qualidade ensino, a mesma que recebera no esplendor da sua juventude.
Na manhã desta quinta-feira ao comunicar o falecimento do ilustre associado, o presidente da Canasol, Luís Henrique Scabello de Oliveira disse que – Américo teve uma participação significativa no desenvolvimento da atividade canavieira, além do seu envolvimento na vida social e cultural da cidade. “Ele parte, nos deixa entristecidos é verdade, mas escreveu com amor à sua cidade uma história rica em detalhes, de carinho e respeito ao próximo. Em meu nome e dos companheiros de diretoria, os nossos sentimentos”, comentou o dirigente.
Américo tinha como irmãos: José Cláudio, Maria Cândida (falecida), Sônia Maria, Antônio “Fico” Roberto (falecido) e Júlio Antônio. Ele deixa a esposa Maria Mendes Borges e a filha Fabiana Borges, diretora da Canasol.