O “noivado” entre Regina Duarte e o governo virou “casamento”. Após reunião, nesta quarta-feira (29/1), com o presidente Jair Bolsonaro e com o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, a atriz aceitou o convite para assumir a Secretaria Especial de Cultura. Ela terá a missão de pacificar a relação entre o órgão, abalado por seguidas crises, e a classe artística.
Regina Duarte será responsável por gerenciar a política do setor no país, orçada em R$ 2,25 bilhões, segundo o Portal da Transparência. Ela chefiará uma estrutura de seis secretarias, seis escritórios regionais e sete entidades vinculantes, sendo quatro fundações e três autarquias, como a Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Tanto poder, contudo, terá um custo. Para assumir a pasta, Regina Duarte rescindirá o contrato com a TV Globo, onde recebe salário fixo de R$ 60 mil. Quando estava com algum trabalho no ar, os vencimentos chegavam a R$ 120 mil. Como secretária, terá remuneração de cerca de R$ 17 mil. Para contornar a situação, o governo estuda a possibilidade de ceder a ela o posto de ministra, tirando a Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo e transformando-a em ministério. Assim, os vencimentos mensais seriam de mais de R$ 31 mil, além de status elevado.
Não foi uma demanda direta de Regina Duarte, tampouco é uma prioridade do governo, mas a mudança é analisada como forma de prestigiar a atriz. Há quem diga, também, que é um jeito de agradar evangélicos, um dos principais grupos aliados do governo. Desde 2019, os religiosos negociam espaços generosos no primeiro e segundo escalões. Interlocutores governistas bancam que eles tiveram influência na decisão de transferência da Secretaria Especial de Cultura do Ministério da Cidadania para o Turismo, quando o dramaturgo Roberto Alvim ainda chefiava a política cultural.
A transformação da pasta em ministério nada mais é do que uma forma de ampliar a estrutura para valorizar nomes de confiança da atriz e de religiosos, que já atuam juntos. A secretária adjunta Janícia Ribeiro Silva, conhecida como reverenda Jane Silva, é amiga da artista e ligada à Igreja Batista da Lagoinha, a mesma da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.
Caso ocorra, o ajuste de Secretaria Especial para Ministério da Cultura virá na esteira de uma reforma ministerial. Embora Bolsonaro tenha negado, a ideia chegou a ser analisada pelo governo em 2019 e era esperada para o fim do ano. Um técnico do governo disse ao Correio que foi cogitada uma readequação na Presidência da República e mudanças nas estruturas do primeiro escalão da Esplanada dos Ministérios. O planejamento não vingou, mas, agora, tende a ser rediscutido.
“Proclamas”
O “casamento” entre Regina Duarte e o governo está sacramentado, mas os dois não vão subir ao altar. O alinhamento religioso ficará restrito ao conservadorismo nos costumes. A pasta vai tratar a Cultura, como diz Bolsonaro, “sem o viés de esquerda”. O “matrimônio” será dado no “civil”. “Sim (aceitei), mas, agora, vão correr os proclamas antes do casamento”, declarou a atriz, na saída do Planalto. “Estamos na fase do proclamas. Está tudo certo, está caminhando. Ela está acertando as questões pessoais dela”, reforçou o chefe do Executivo.
O deputado federal Felício Laterça (PSL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura e do Desenvolvimento Social, mantém expectativa de um “casamento” duradouro, mas não crava um “felizes para sempre”. De toda forma, ele espera uma boa gestão. “Ela tem cintura, convive no meio, nem será favorável à libertinagem na cultura. Agora, vamos ver como a oposição vai reagir. Espero que seja com o mesmo apreço e respeito que nutre por outros artistas, como a Fernanda Montenegro”, destacou. “A esquerda sempre tenta destruir reputações, mas, de qualquer forma, estaremos lá para defender a Regina.”
Já o cantor e compositor Lobão afirmou, em entrevista ao Correio na semana passada, que o convite a Regina Duarte foi uma cortina de fumaça cor-de-rosa criada pelo governo. “Ela faz o papel da inocente útil. Eles mantêm a ‘namoradinha’ sob controle para manter a agenda (de costumes). Querem colocar uma fachada do bem para continuar com o mesmo tipo de agenda”, criticou.
Só polêmicas
Roberto Alvim foi exonerado do cargo, em 17 de janeiro, após a repercussão do vídeo que ele publicou, no qual parafraseava o ideólogo nazista Joseph Goebbels. A gestão dele foi marcada por controvérsias. Ele nomeou a presidência da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento, que criou polêmica ao criticar movimentos negros e ao dizer que a escravidão foi benéfica para os descendentes— a nomeação dele foi suspensa pela Justiça. Já o presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Dante Montalvani, inventou, publicamente, uma correlação entre rock, drogas, aborto e satanismo. Já o presidente da Biblioteca Nacional, Rafael Nogueira, afirmou que letras de compositores como Caetano Veloso e Renato Russo provocam analfabetismo.
Falas
“É bom para o Brasil Regina Duarte ajudar o governo. É inaceitável valorizar o nazismo (sobre Alvim), parabenizo o presidente pela rápida decisão. Alvim ou é autoritário ou é louco”
Rodrigo Maia, presidente da Câmara
“Quer dizer que casou? Eu desejo a ela uma boa lua de mel e um bom desempenho nesse casamento”
Luiz Carlos Barreto, cineasta
“‘Só não te estupro por que você não merece’. Jair Bolsonaro, o chefe da Regina, para a ministra Maria do Rosário. E eu que sou misógino? Não respeito fascista nem apoiador de fascista, seja de que sexo for. Quem se junta com um energúmeno desses não merece respeito”
José de Abreu, ator
Sertanejos fazem afagos e ganham promessas
Cantores sertanejos foram, nesta quarta-feira (29/1), ao Palácio do Planalto, para uma cerimônia de apoio ao governo. O presidente Jair Bolsonaro recebeu muitos afagos, chegando a ser classificado como “maior governante” da história do país. Ele recebeu um convite para a próxima edição da Festa do Peão de Barretos e ouviu apelos para promover demandas que possam beneficiar a economia criativa no país.
Os artistas se sentiram em casa. O sertanejo Cuiabano Lima, conhecido como A Voz de Barretos e locutor de rodeios em todo o país, leu a carta de apoio da classe ao governo. “Os artistas sertanejos, que percorrem todos os cantos deste grandioso Brasil e vivenciam todos os dilemas e dificuldades do povo brasileiro, encontraram no governo do presidente Bolsonaro essa postura de um governante que trabalha em prol de seu povo, de seu país”, afirmou, na leitura de um trecho.
A categoria também se posicionou favorável a pautas do Executivo. “A retomada do crescimento econômico e da geração de empregos, o combate à corrupção, o resgate de valores da sociedade, desejos de toda a população brasileira, exigiam atuação corajosa e eficiente do governo federal”, disseram no texto. “O país carecia de um ambiente institucional e político estável, com políticas públicas voltadas para o bem-estar da população brasileira, num ambiente econômico saudável e sustentável.”
O presidente da Associação Brasileira de Promotores de Eventos (Abrape), Doreni Caramori, elogiou o governo, mas apresentou três demandas para o setor da economia criativa. Pediu a rediscussão da política da meia-entrada e do monopólio do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) — entidade privada responsável pela arrecadação e distribuição de direitos autorais das músicas aos seus autores. Ele cobrou, ainda, a regulamentação de normas para flexibilizar as contratações de trabalhadores no setor.
Bolsonaro, por sua vez, afirmou que os empregadores e produtores são os “patrões” do país, não ele. Ressaltou que, não encontrando obstáculos jurídicos ou constitucionais, apresentará decretos ou projetos que possam favorecer a categoria.
*Correio Braziliense