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A incrível história de Sereno, com seus sonhos e conquistas por Araraquara

Com a velha e surrada bicicleta que lhe foi dada pelo patrão Serafin Pacchioni, Antônio Onofre – conhecido Sereno – começou a escrever uma história pontilhada pelo querer e poder, desafiando adversidades e mostrando que é possível vencer na vida com perseverança.

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Chegada na Praça das Bandeiras em Araraquara, uma das suas mais importantes vitórias com a camisa da Ferroviária

Perto de completar 85 anos, o policial militar aposentado Antônio Onofre está sentado ao lado da esposa Claudete, num desses dias qualquer de fevereiro em que a pandemia do coronavírus os transformou em um casal praticamente isolado. O sofá os acomoda para recordações vividas durante 56 anos de casamento; por sinal foi no dia 9 de janeiro de 1965, que Antônio e Claudete se tornaram marido e mulher e deles nasceram as filhas Sandra Cristina e Márcia Regina.

Nestes últimos 10 meses saindo de casa apenas o necessário,os dois tem algo em comum: gostam de conversar e isso os tem feito extremamente felizes, contudo vira e mexe lá vem as recordações, prosa boa de se ouvir, contam os seus amigos. É verdade que muitos se foram, mas há ainda em Antônio, as vezes Toninho, uma dose de poder recordar com os que sobraram, momentos que tornaram sua vida extremamente agitada: “Sou assim, gosto de conversar, de falar, recordar coisas que formam minha história, enfim gosto de pessoas”, comenta.

Equipe da Ferroviária em 1961 com Sereno integrando o grupo

Nascido sob o signo de Libra, em 8 de outubro de 1936, é provável que a inspiração do libriano que – não costuma suportar a solidão e sabe escolher as palavras certas para todos os assuntos tenha feito dele uma pessoa bem equilibrada, calma, e, base do apelido que praticamente o acompanhou a vida toda – “Sereno”, as vezes brinca Claudete.

Sereno, a bem da verdade nasceu em Matão, filho de Amélio Onofre e Inês, estudou no Grupo Escolar “Antônio Lourenço Correia”, na Vila Xavier, cursando o primário. Só que interessado em aprender uma profissão foi chamado para trabalhar na Marcenaria de Serafin Pachioni, tinha ele apenas 12 anos e isso o despertou fazer cursos profissionalizantes no Senai e Senac.

Um ano depois era um garoto esperto e voltado para novas descobertas vendo no ciclismo a possibilidade de participar da vida esportiva da cidade. Se juntava regularmente a outros garotos e na Rua 9 de Julho para assistir as corridas de bicicleta: “Eu passei a gostar do ciclismo; ficava empolgado com tudo aquilo. Eu, sinceramente queria ser como Adolfo Fécchio. Ele era o meu ídolo”.

O policial ainda na ativa e ao lado preparado para mais uma competição

Contudo, a vida simples que levava não lhe permitia possuir sonhos tão altos como, ter uma bicicleta da época – Caloi ou Monark – marcas das duas maiores fabricantes de bicicletas do país, dividindo cerca de 95% do mercado quando estavam no auge, e ambas, seja com lançamentos inéditos, ou simplesmente um clone do concorrente.

Mas, Serafin Pachioni vendo brilho nos olhos do menino rodeando uma bicicleta quebrada e encostada no depósito, certo dia disse a ele: “Toninho pega a bicicleta e leva; é sua”. O dono da marcenaria não precisou falar uma segunda vez, o garoto pegou a bicicleta e foi parar no Cicles Paronetto (Tico), uma das bicicletarias mais famosas de Araraquara naqueles tempos.

“Tenho que falar a verdade, embora gostasse eu nem sabia andar direito. Mas, prometi pra mim mesmo, ainda vou ser como o Fécchio, vou ser um campeão”, relembra Sereno que agora voltando ao passado sente passar pela sua frente um filme de glórias e conquistas.

Imagens em dois tempos marcando sua vida

Algum tempo depois outra missão: se aproximar de Adolfo Fécchio, um homem sério, responsável, de pouca conversa e como convencê-lo de que seu sonho era ser um ciclista e famoso. Sereno já vinha participando de treinamentos, muitos deles sozinho e realizados até a represa de tratamento de água. “Isso no entanto a mim não bastava precisava falar com Fécchio”, pensou.

Não foi tão difícil; as oportunidades foram surgindo em busca de conselhos e orientações e logo numa primeira conversa Sereno mostrou a ele que gostaria de aprender: “Não esqueço, quando num bate-papo o Fécchio aconselhou – nunca se sinta ameaçado com o adversário que vai do lado. Se lhe pressionar responda a altura e diga que fará o mesmo.

Adolfo Fécchio em primeiro plano na parte inferior e Argenton em desfile pela cidade após uma grande conquista de Araraquara

Professor e aluno foram se acostumando, isso os tornou bem próximos. Certo dia, os olhos do adolescente voltaram a brilhar quando Fécchio o levou até sua casa no São Geraldo e a ele mostrou a sua galeria de troféus, todos guardados em uma cristaleira e sobre ela a estátua de um índio que passou a ser chamado pela família de “Pataco-taco” . Sereno lembra que não havia mais espaço naquele móvel para tantos troféus, um deles conquistado numa das corridas mais famosas do Brasil, a 9 de Julho em São Paulo, homenageando a Revolução de 1932.

Sereno com o troféu conquistado em competição pela Ferroviária

Os treinamentos passaram a ser quase que diários, lembra Sereno que era visto pelo amigo como um futuro campeão. Fécchio disse que o apresentaria à diretoria da Associação Ferroviária de Esportes e mostrar seu interesse em colocá-lo na equipe. Logo, mais um passo estava dado.  Além de participar da equipe considerada uma das mais famosas do Brasil com grandes atletas – além de Fécchio faziam parte Anésio Argenton, Baroni, Furlan e outros.

Não demorou muito tempo para que Sereno se tornasse de fato um campeão – admirado e respeitado por todos. Suas vitórias em provas realizadas em Matão, na Fonte Luminosa, Pontal, Salto, Itu, Ribeirão Preto, Mirassol, Catanduva, Marília, Rio Claro, Santos, Interlagos em São Paulo o levaram a ter uma exposição de troféus (2), taças (7), medalhas (25) mostrando que valera a pena sonhar.

Sereno e a esposa Claudete durante evento em Araraquara

Passados mais de 50 anos Sereno ainda recorda – ruas apinhadas de gente em suas calçadas: “Era um corredor formado por pessoas de ambos os lados; por este corredor passei muitas vezes ouvindo – vai campeão. Sei que os tempos são diferentes e poucos são aqueles que ainda permanecem entre nós para contar histórias que marcaram o ciclismo da cidade”.

Aposentado da Polícia Militar e há 56 anos vivendo ao lado de Claudete no bairro da Vila Xavier, Sereno – é o vizinho bom e famoso que qualquer morador gostaria de ter para ouvir suas conquistas, seus momentos de glória e os embalos pontuados pela glória.