O relógio passava alguns minutos das 11h do dia 16 de dezembro de 1988 quando Raul Seixas entrava em Araraquara acompanhado de Marcelo Nova e integrantes da banda Envergadura Moral.
Feito o check in e a ocupação das acomodações, Raul e Marcelo descem para almoçar no restaurante do hotel. Voltam ao quarto para descansar e às 17h seguem para o Ginásio de Esportes Castelo Branco, o Gigantão, para a passagem de som.
Tanto na entrada do hotel quanto no ginásio, o “maluco beleza” dá atenção aos fãs, apesar da saúde debilitada – ele contava com uma cuidadora junto à equipe, responsável pelo acompanhamento do artista, o que incluía fazer com que ele tomasse corretamente os medicamentos prescritos.
Moacir Rodrigues, proprietário da Portuga Produções, responsável pela vinda de Raul Seixas e Marcelo Nova a Araraquara, conta que trazer seu ídolo para a cidade foi uma realização mais pessoal do que profissional.
“Sou fã e assisti ao show do Raul no Festival de Águas Claras. Quando soube de sua parceria com o Marcelo Nova, conversei com seu empresário e fui a São Paulo. Eles se apresentariam no Clube dos Bancários e conversamos após o show. Seis meses depois trouxemos o Raul para tocar em Araraquara”, recorda Moacir.
O produtor cultural conta que na semana do evento as pessoas brincavam com ele dizendo que Raul não viria. “Muita gente não foi porque achou que não ia ter show. Fiquei receoso, mas fui ligando e monitorando. Quando ele chegou foi um alívio”, conta Portuga, que havia colocado oito mil ingressos à venda.
A passagem de som foi praticamente um ensaio, com Raulzito à vontade tocando e cantando várias de suas músicas. “Ele arrebentou, cantou muito. Fiquei radiante, pois o Raul estava num dia bom”, comemorou Moacir.
Porém, no intervalo entre o final dos ajustes de som e a entrada de Raul ao palco para o show, cerca de 5 horas depois, tudo mudou. “O ensaio acabou por volta das seis
horas da tarde e eles voltaram para o hotel. Até às onze da noite, quando ele entrou no palco, foram cinco horas bebendo e ele já não era mais o mesmo, falhava bastante. Mas era o Raul!”, pondera.
Mesmo assim, o rei do rock nacional estava no palco do Gigantão cantando para cinco mil
pagantes. “Viva! Viva! Viva a Sociedade Alternativa!”, ecoava na acústica do Gigantão. “Ele
cantou mais umas três músicas sozinho, nas outras o Marcelo Nova assumiu o vocal, já que Raul estava visivelmente debilitado”, rememora Moacir.
Nesse dia 16 de dezembro de 1988, a psicóloga Andreia Mattos, com 13 anos à época, estava lá. Ficou sabendo do evento pelo rádio. Dias antes da apresentação de seu ídolo, ela já sentia “frio na barriga” de tanta ansiedade.
Andreia curtiu o show bem em frente ao palco. “Naquela época colocavam cordas para separar o público, seguranças e o palco. Mas quando Raulzito entrou foi uma loucura, veio uma onda de gente e a corda não aguentou. Não sei onde foram parar os seguranças. Foi incrível! Ele lá, já bem debilitado pelo alcoolismo, mas era ele. Não sei como o Gigantão não caiu”, recorda Andreia.
Ao final do evento, o sentimento de Andreia era um mix de amor e tristeza. “Quem era fã de verdade sabia que seria a última vez. Corri para debaixo do Gigantão onde ficavam os camarins e, sim, passei a mão no braço do Raul. Aí fui às lágrimas. Lembrança que nunca mais vou esquecer. Raul está bem vivo ainda por aqui. Toca Raul!”, conclui.
Raul dos Santos Seixas faleceu oito meses depois, em 21 de agosto de 1989, no Inverno, em São Paulo.