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Ex-Diretor da Escola Estadual da Vila Ferroviária em Araraquara, o autor do “Hino de Piracicaba”.

Newton de Almeida Mello é autor da música "Piracicaba... que te adoro tanto", que teria sido feita em uma fazenda no município de Rafard. Contudo, há outra versão - da música ter sido composta pelo autor no presídio em 5 minutos onde cumpria pena por matar o desafeto que importunava sua esposa. Inocentado,  Newton veio com Jacyra morar em Araraquara. Anos depois a música se tornou o Hino de Piracicaba.

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Newton e Jacyra passaram mais da metade de suas vidas em Araraquara; sua filha Luzia foi professora na Escola Industrial

Um gigante, culto da poesia que carregou por boa parte da sua vida, mas quase sem ser notado, ao mesmo tempo ocupou um dos postos mais importantes da carreira, ainda que não tenha sido o mais alto. Humilde e de quase doentio anonimato. Esse foi Newton de Almeida Mello, uma das figuras mais importantes que Araraquara acolheu e que, infelizmente, poucos sabem de sua passagem pela nossa cidade.

A exaltação do povo piracicabano por ele não é por menos. Assim, 9 de setembro de 1931 é um marco para Piracicaba pois poeta e professor, Newton era compositor e músico nas horas vagas. Horas essas que são sagradas para um brilhantismo em sua carreira. É dele a composição da música “Piracicaba”, nascida em Raffard, na Fazenda Itapeva, aonde a família vivia na época, na qual habitavam muitos franceses.

Newton ainda jovem residindo em Piracicaba, nos anos 30

Na noite do mesmo dia, Newton foi com os amigos para o antigo Bar Giocondo, em Piracicaba, hoje inexistente, mas que fez história e cantou a canção pela primeira vez ao lado do amigo Victório Angelo Cobra, o Cobrinha.

Para muitos contudo há uma outra versão sobre a forma e o lugar onde a música “Piracicaba” teria sido feita. A página A Província, nas redes sociais, toca de forma sútil num caso que teria marcado a vida do professor e diretor de escola. Diz o texto: “Professor primário, músico, poeta, boêmio, dividindo a sua vida entre Piracicaba e Araraquara, Newton de Mello foi uma figura trágica, mesmo porque a tragédia marcou-lhe a vida num crime passional”.

De fato, pouco tempo de casado com Jacyra, ainda residindo em Piracicaba, um homem teria importunado sua esposa. Newton em uma discussão com o desafeto não hesitou em mata-lo a tiros, sendo condenado por algum tempo, mas colocado em liberdade pois houve o entendimento de que o crime teria ocorrido em legítima defesa e da própria honra.

Há narrativas então de que Newton teria escrito a música em cinco minutos dentro do presídio, o que não se confirma, dando-lhe outra versão de que – a letra foi feita em uma fazenda em Rafard, cidade próxima de Capivari, região de Piracicaba.

Abalado com o crime e temendo represálias o poeta teria vindo morar em Araraquara, assumindo a direção da Escola Estadual João Manoel do Amaral, na Vila Ferroviária.

Newton e o filho Atanásio de Mello, advogado em Ribeirão Preto após os estudos feitos em Araraquara (IEBA e São Bento)

Ao Almanaque de Piracicaba, divulgado em 1975, Newton filosofa. “Não por vaidade, mas apenas esclarecendo um ponto que para mim interessa, devo dizer que a letra e a música dessa despretensiosa canção foram compostas, simultaneamente, em cinco minutos. Outras composições minhas, nas quais havia trabalhado por vezes, dias a fio, não me saíam boas como esta parecia ser.” A canção dedicada à cidade tornou-se oficialmente o Hino de Piracicaba, por decreto de lei municipal, apenas em 1975. Foi gravada por inúmeros cantores sertanejos, entre eles, Cesar e Paulinho e Rolandro Boldrin.

ARARAQUARA EM SUA VIDA

Araraquara entrou na vida de Newton como se fosse mais uma composição caprichosa em sua trajetória. Na década de 40, ele e sua esposa, Jacyra Marins Peixoto de Mello, eram professores estaduais e se transferiram para Araraquara onde viveram metade de suas vidas. E a carreira acadêmica continuou.

O casal de professores dava aulas para o curso primário. Ele nunca deixou a música de lado chegando a ter um programa musical na Rádio Cultura de Araraquara, mas que não durou por muito tempo. Na década de 40, Newton se tornou diretor da escola João Manoel do Amaral (JMA), localizada na Vila Ferroviária, próximo à Arena da Fonte Luminosa. Era um sonho realizado pelo renomado piracicabano.

PAIS E FILHOS

Do casamento que durou mais de 40 anos, nasceram os filhos Luzia e Atanásio de Mello. Luzia, com 90 anos, é a irmã mais velha; criou raízes araraquarenses e mora na cidade até hoje. Já Atanásio tomou outro destino e foi morar em Ribeirão Preto.

Luzia, filha do casal Jacyra e Newton; Luzia lecionou na antiga Escola Industrial

“Cresci em Piracicaba, mas eu sou araraquarense de corpo e alma”, declara Luzia, que ainda guarda documentos e obras escritas por seu pai. Na primeira obra lançada por Newton, “Carrilhões” (1951), nota-se poesia e muitas rimas. Das poesias Luzia guarda uma com muito carinho e felicidade, que o pai fez para ela quando era criança, tanto que não é necessário nem abrir o livro para que ela narre palavra por palavra a homenagem feita por ele. “A Alguém (na página número 13), é um poema do meu pai feito para mim. É algo que marcou minha vida e mostra o carinho que ele tinha por mim, mesmo ainda pequena”, relata.

Luzia fala também do sabor da vida em estar com o pai naqueles tempos nos fins de tarde de Araraquara.

“Uma pessoa muito nobre. Ele pegava pela minha mão e proseava enquanto caminhávamos pelo parque (Parque Infantil). Conversávamos muito e, quase todo dia, acompanhávamos atentamente o pôr do sol”, conta Luzia.

Além de “Carrilhões”, outro livro lançado pelo autor é “O Pranto do Piaga”, um conto indígena através de poemas. O manuscrito do livro foi finalizado em 1965, e Luzia guarda até hoje; o livro foi lançado apenas em 1997 pela Orquestra Sinfônica de Piracicaba, no 230º aniversário da cidade.

Piracicaba, uma das mais belas cidades do interior (Foto: Giancarlos Martins)

O QUE É VIVER SEM O POETA

Mesmo longe de Araraquara, Atanásio de Mello conta como foi a vida ao lado do seu ídolo desde criança, até quando conseguiu o seu primeiro emprego. O pai, Newton de Mello, foi o pilar de toda a família.

“Meu pai sempre foi uma pessoa boa e de coração enorme. Ajudava muita gente, inclusive na formação educacional de seus ex-alunos, custeando os seus estudos até o fim”, conta o filho. “Ele sofreu muito também. Por ironia do destino, nunca conseguiu retornar com a família para Piracicaba, como ele relata na imortal canção feita para a cidade”, conta.

Newton faleceu em 12 de junho de 1965, aos 60 anos (infarto), sendo sepultado no jazigo da família em Piracicaba sob os acordes do Hino de Piracicaba. A memória de Newton ainda é presente na família Mello, desde filhos a bisnetos, que sempre recordam com carinho sua importância para ambas as cidades. “Meu pai era uma pessoa romântica, tanto que ele morreu justamente no Dia dos Namorados. Provavelmente, era o que ele queria (risos)”, enfatiza Luzia.

O HINO DE PIRACICABA

Publicação A Província

Numa saudade, que punge e mata

Que sorte ingrata longe daqui,

Em um suspiro, triste e sem termo,

vivo no ermo, dês que parti.

Piracicaba que eu adoro tanto,

Cheia de flores, cheia de encantos…

Ninguém compreende a grande dor que sente

o filho ausente a suspirar por ti ! (estribilho)

Em outras plagas, que vale a sorte?

Prefiro a morte junto de ti.

Amo teus prados, os horizontes,

o céu e os montes que vejo aqui.

Piracicaba que adoro… (estribilho)

Só vejo estranhos, meu berço amado,

Tendo ao teu lado o que perdi…

Pouco se importam com teu encanto,

Que eu amo tanto, dês que nasci…

Piracicaba que eu adoro tanto …(estribilho)

Texto: Rafael Zocco