A música “Tema de Lara”, de Maurice Jarre, acabara de invadir o Cine Odeon, numa dessas sessões em que as meninas apertavam as mãos do namoradinho, numa trégua de amor eterno e que se de lá alguém ouvisse, cairia na quadra do Colégio São Bento, onde se fazia badalada festa junina.
Os cinco meninos, de abril a junho, mergulharam em um apurado repertório para animar o Baile The Winter Bossa Nova Day. Seria aquela a primeira apresentação de um grupo promissor recomendado por José Ignácio Pizzani, Trindade, Altino e Zé Rubens de Barros, alunos da época, em busca de caixa para o Baile de Formatura.
The Snakes, ou simplesmente Os Cobras, sentiam o mundo explodir nas cores de um novo tempo, de compromissos e responsabilidades dentro de uma cidade com pouco mais de 50 mil habitantes.
“A gente tinha o hábito de ir à matiné aos domingos, passando pela Rua 2, entre a Avenida Osório e Barroso. Ali era um sobradinho. Ouvi um barulho de música; era uma bateria e de vez em quando o som de uma guitarra bem destonada. Algum tempo depois fui ver que era um pessoal que morava alí e onde mais tarde virou uma choperia (Bilica); antes, um depósito, extensão da antiga Casa Costa”
É assim que Vilcides J. A. Pedro, um dos integrantes do The Snakes começa a narrar a história de fundação do grupo musical que abalou a cidade no início dos anos 60. Araraquara, emergente para os padrões da época com seus 60 mil habitantes, já estava configurada como verdadeiro centro de talentos artísticos.
Vilcides lembra que naquele local morava a família do Cláudio de Almeida, além do velho Caiuby. Foi lá que ele bateu e disse ao Cláudio, o primeiro a sair: “Sou músico e gostaria de ouvir o que vocês estão tocando”.
Ele diz que o Cláudio pediu para entrar, onde então encontra Luiz Antônio Pavan com uma guitarra caseira, molecote mas dedicado ao extremo no estudo, não falhando em nenhuma nota muical. No primeiro contato com o grupo, Vilcides observou um saxofone – quem tocava era um garoto chamado Paulo – tinha o Wilson Orselli, que cantava no programa do Denisar Alves, na Rádio A Voz da Araraquarense. Entre uma lembrança e outra, pois são 55 anos, ele se recorda de Djalma do Carmo Ferreira, colega de Engenharia, também cantor no grupo. Naquela rodinha de amigos formados em tão pouco tempo, estava José Carlos Terezani, o contra-baixista.
Nessa história toda eu cheguei com o trumpete (piston), argumenta Vilcides, declarando estar constituído o conjunto The Snakes que foi fazer sua primeira apresentação em junho na quadra do Colégio São Bento, em uma festa junina. Era o Baile The Winter Bossa Nova Day (Bossa Nova em dia de inverno), organizado por José Ignácio Pizanni, aluno do São Bento (hoje dono da TV Clube em Ribeirão).
Logo após sua estreia o conjunto teve sua primeira baixa: a saída de Paulo, que tocava sax. O grupo passou a se apresentar com cinco elementos, recorda Vilcides.
As dificuldades enfrentadas nos meses seguintes não chegaram a desestruturar “os cobras”, pois sendo menores, chegou a hora do alistamento militar: primeiro o Wilson Orselli, depois o Pavan, em seguida o Vilcides e o Cláudio: “Não tinha jeito de fugir e fomos nós para o Tiro, ali na Rua Expedicionários do Brasil. Uma ou outra apresentação só mesmo no meio de semana pois fatalmente as instruções militares aconteciam aos sábados e domingos.
Terminado o serviço militar, comenta Vilcides, aventamos a possibilidade da profissionalização do grupo e a gravação do primeiro e único disco em São Paulo, onde desembarcamos dois anos depois. Neste período, brincadeiras dançantes e bailes rolaram nos clubes Araraquarense e 22 de Agosto, além das escolas que promoviam eventos para obtenção de recursos destinados às formaturas.
Curioso mesmo é que saímos de Araraquara como The Snakes e voltamos como Os Panteras. Em São Paulo fomos aconselhados pelo pessoal da gravadora que já havia um grupo chamado The Snakes na Argentina e certamente encontraríamos problemas com os direitos autorais, diz Vilcides.
Gravado o compacto duplo com quatro faixas: O Touro Solitário, Tema de Lara, Tereza Cristina e Pato Donald, duas delas feitas por Orselli, agora éramos Os Panteras, indo na esteira do sucesso alcançado pela série da Pantera Cor de Rosa, na televisão.
Vilcides recorda que nesta nova fase surgiu um grande parceiro para o grupo. Antonio Carlos Rodrigues dos Santos, o Toninho da Rádio Cultura, que em algumas oportunidades se transformou no “crooner” dos Panteras, cantando músicas dos Beatles: “A presença do Toninho nos levou a participar de um programa de auditório na Cultura nas tardes de sábado”, afirma.
Uma das coisas que Os Panteras passaram a enfrentar foi achar um local para a realização dos ensaios; a vizinhança de Orselli na Rua Tupi não aguentava mais, ironiza Vilcides. Assim os meninos foram chamados por Paulo Billy Cortês, diretor técnico da Rádio A Voz da Araraquarense e integrante do conjunto Os Profetas, para ensaios nos fundos da Casa Barbieri (Avenida Duque de Caxias). Apadrinhados agora por Billy, o grupo passou a participar de um novo programa na Voz, aos domingos de manhã no Salão de Festas da Igreja de Santa Cruz. Billy tornou-se membro dos Panteras a partir daí como excelente contra-baixista, relembra.
“Infelizmente os estudos e a necessidade de trabalhar foram motivos para o grupo encerrar suas atividades, em 1968; o Orselli com o fim da EFA, onde trabalhava, foi para São Paulo; o Pavan, no DER; me formei Engenheiro Civil e fui fazer a minha vida. Chegamos num ponto que o melhor mesmo seria parar e deixar o nosso nome na história musical da cidade”, encerra Vilcides.