A atuação de laboratórios de biologia molecular de três câmpus diferentes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) tem sido decisiva no enfrentamento da pandemia de covid-19 no estado de São Paulo. Os laboratórios permitem ampliar, de forma significativa, o número de exames realizados nas cidades paulistas e também realizam o sequenciamento genômico do SARS-CoV-2 e a vigilância das sequências genéticas em circulação do vírus causador da doença.
Ao final de dezembro de 2021, mês em que laboratórios da Unesp ajudaram a identificar os primeiros casos da variante ômicron nas regiões de Araraquara e de Botucatu, um balanço feito a pedido do Jornal da Unesp contabilizou um total de 254.620 testes realizados no ano passado nesses laboratórios, média de quase 700 por dia. Desse total, 59.040 exames (23,2%) deram positivo para a covid-19, sendo que um pouco mais de 10 mil amostras foram sequenciadas para identificar a variante circulante.
O trabalho dos laboratórios da Unesp foi estruturado ao longo do primeiro ano da pandemia e ganhou corpo em 2021, período em que os resultados dos exames e dos sequenciamentos genômicos motivaram a emissão de alertas e embasaram decisões de gestores públicos. Em Araraquara, uma das cidades que proporcionalmente mais realizaram testes no Brasil, o prefeito Edinho Silva optou por monitorar os casos de covid-19 na população local desde abril de 2020. Isso foi possível graças a uma parceria firmada entre o município e o Laboratório de Imunologia Clínica e Biologia Molecular, liderado pelo professor Paulo Inácio da Costa, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), que permitiu agilizar a entrega dos resultados do teste molecular (RT-PCR).
“Sem diagnóstico rápido, não se consegue tomar as medidas necessárias. A parceria (com a Unesp) foi fundamental”, afirma a secretária municipal de saúde de Araraquara Eliana Mori Honain. “Quando nós identificamos aqui a variante que teve origem em Manaus (gama), soubemos que tínhamos que mudar toda a nossa estratégia em razão da transmissibilidade. Foi por causa desses resultados que Araraquara optou por instituir um lockdown (em 2021)”, lembra Eliana Honain.
Com o surgimento da ômicron no país, as principais preocupações epidemiológicas giram atualmente em torno da questão da transmissibilidade. Altamente transmissível, esta variante do SARS-CoV-2 se mostrou mais contagiosa do que o vírus do sarampo, e fez o planeta registrar pela primeira vez mais de dois milhões de casos de covid-19 em um só dia. Também no Brasil ela está se disseminando com extrema rapidez, tornando-se predominante nas amostras dos novos casos positivos pouco depois de seu surgimento.
Segundo o pesquisador João Pessoa de Araújo Junior, do Instituto de Biotecnologia (Ibtec) da Unesp, localizado no câmpus de Botucatu, a ômicron se tornou prevalente na região de Araraquara em apenas três semanas após o seu primeiro registro, em 14 de dezembro. Dados de genotipagem tabulados pela equipe do Ibtec-Unesp indicam que, de 1º de dezembro de 2021 a 11 de janeiro de 2022, 79% das amostras positivas para covid-19 já eram da variante ômicron. Esses dados levam em consideração amostras de quatro cidades (Américo Brasiliense, Araraquara, Boa Esperança do Sul e Porto Ferreira) integrantes do Departamento Regional de Saúde III (DRS-III) do estado. “A delta, variante predominante no final do ano passado, já era”, constata Araújo.
Realizar testes regulares na população e fazer o sequenciamento genômico para identificar a cepa do SARS-CoV-2 em circulação têm sido especialmente importante nos momentos em que ocorre a chegada de uma variante de preocupação, como está ocorrendo com a ômicron. Os resultados obtidos pelos laboratórios ajudam a nortear a dosagem de medidas restritivas necessárias para frear a transmissão do vírus. Foi com esse intuito, por exemplo, que diversas capitais brasileiras já anunciaram nos primeiros dias do ano o cancelamento das festas de Carnaval em 2022. Embora existam indicadores de que a imunização da população realizada ao longo de 2021 esteja evitando mortes — em países com boa cobertura vacinal, a alta de casos causada pela ômicron não está se refletindo no total de óbitos — ainda existem muitas incertezas em relação à nova variante. Para preencher este vácuo de informações, os laboratórios estão tendo que se adaptar. “Quando anunciaram a variante ômicron, nós imediatamente mudamos toda a nossa estratégia para dar uma resposta rápida. Em cinco dias, no máximo, depois que a amostra foi considerada positiva, já temos o resultado da genotipagem”, diz Araújo.
REDE ARTICULOU LABORATÓRIOS DE DIFERENTES CÂMPUS
Para viabilizar o atendimento às demandas dos gestores públicos, os laboratórios de biologia molecular da Unesp passaram a trabalhar em redes, que são complementares entre si. Em maio de 2020, foi formada uma rede a partir do convênio da Universidade com a Embraer, firmado com o apoio da Fundunesp (Fundação para o Desenvolvimento da Unesp). Por meio desta parceria, foram realizados 42.686 exames diagnósticos para covid-19 em 2020, nas regiões de São José dos Campos, Araraquara e Botucatu.
Para dar conta da demanda multicêntrica, a Pró-Reitoria de Pesquisa da Unesp estimulou a criação de uma logística de atendimento também multicêntrica, formada a partir do intercâmbio de pesquisadores de câmpus diferentes, que tinham experiências que se assemelhavam em alguns pontos e eram complementares em outros. Foi assim que o Laboratório de Virologia e Diagnóstico Molecular do Ibtec, uma unidade complementar do câmpus de Botucatu, passou a atuar em parceria com o Laboratório de Imunologia Clínica e Biologia Molecular do câmpus de Araraquara e o Laboratório de Estudos Genômicos do câmpus de São José do Rio Preto. O convênio com a Embraer foi finalizado, mas o trabalho em rede seguiu em outras frentes, como no consórcio de municípios liderado por Araraquara e o ingresso na Rede Corona-ômica, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), focada no sequenciamento genômico de amostras do SARS-CoV-2.
“Como a gente trabalhou em rede, tudo foi dividido”, conta a pesquisadora Paula Rahal, do câmpus de São José de Rio Preto, que também auxiliou a prefeitura local no enfrentamento da covid-19, em parceria com a Famerp. “Foi a primeira vez que trabalhei na Unesp de uma forma tão coordenada e tão positiva. Juntar cidades diferentes e distantes e poder trabalhar junto foi muito bom. Criamos uma divisão de tarefas que agilizava o diagnóstico e a entrega dos dados de vigilância”, conta a professora.
Na divisão de tarefas construída ao longo dos meses — se for possível sistematizá-la sem simplificar demais a dinâmica de trabalho — o laboratório de Araraquara, que tem um longo histórico de serviços prestados para o Sistema Único de Saúde desde a década de 1990, processava uma boa parte dos testes diagnósticos. As amostras positivas consideradas como mais elegíveis para o sequenciamento — ou seja, aquelas com carga viral maior — eram encaminhadas para análises nos outros dois câmpus.