Por Matheus Vieira
Tarde de quarta-feira. Ao entrar na redação da Revista Comércio, Indústria e Agronegócio (RCIA), recebo o recado que Antônio Borges estava a minha procura e que, caso eu quisesse, poderia encontrá-lo em sua casa naquele mesmo dia. Não tinha outra escolha.
Peguei câmera, caderno e fui pra rua, afinal, há dias tentava contato com Borges, um homem de 67 anos que faz questão de afirmar que não é ligado para certas tecnologias, como celular, por exemplo.
Parei o carro na Avenida Prudente de Moraes (perto do rio que agora é via – assim, como Borges me informou) e toquei a campainha no número 121. Após ouvir o recolhimento dos cachorros, vejo a aproximação de alguém, tudo isso a um cheiro fortíssimo de cigarro. O portão se abre e eu digo: “Boa tarde, o senhor é o Fiico?” “Sim, mas isso há muito tempo, mas pode me chamar assim e entrar”, convidou o senhor, ainda em um tom um pouco desconfiado.
Assim foi meu primeiro contato com o engenheiro civil/músico Antônio Borges, o Fiico, ou Fico Borges, de 67 anos, personagem que nos contou, após quatro cigarros em sequência, mais uma história do especial “Bandas e Conjuntos Musicais da Cidade”, que resgata a rápida passagem dos Profetas pelos palcos da Araraquara e Região.
Longe da música profissional há anos, Fiico logo ficou mais à vontade para resgatar algumas histórias do grupo que, segundo suas palavras, foi destaque na cidade e região em apenas 365 dias, entre 1968 e 1969.
Curiosamente, sua participação veio a calhar pois, em um dos nossos especiais, lembramos a trajetória dos Intocáveis, grupo no qual ele tocou teclado na primeira formação, ainda como Intocáveis Bossa Trio, ao lado de Sabaúna e Edmur. Quem uniu os três foi o irmão de Fiico, o cineasta e músico Américo Borges.
Depois de sua saída do grupo, Fiico passou a fazer bicos em grupos de baile da cidade. Autodidata e multi-instrumentista, tocava com bandas desde os 13 anos. E foi praticamente sete anos depois que veio o convite para Os Profetas.
“Os responsáveis por montar o conjunto foram o guitarrista Luis Pavan e o baixista Paulo Billy Cortez. Eles chamaram todos de uma vez com a ideia de montar um projeto para tocar nas noites e assim foi feito”, lembra Fiico, que, novamente, tocaria teclado.
Assim, ganhava vida a primeira formação dos Profetas, completada, fora os três, por Jair (piston), Wilson Orselli (voz), Chiquinho (bateria) e Perci (guitarra base). Getúlio (guitarra) e os vocalistas Gutão e Carlão (conhecidos como Os Manos) também chegaram a fazer parte do grupo, quando este estava em sua fase final.
Desses, morreram Chiquinho, Paulo Billy, Gutão, Carlão e Perci. Orselli e Jair moram em São Paulo. Fiico e Pavan continuam em Araraquara.
MISSÃO
Diferentemente do que mostramos com outros grupos da cidade, Os Profetas foram na contramão, sendo, literalmente, uma união de músicos para um projeto com fins lucrativos. Claro que alguns integrantes se conheciam da infância, mas aquela história de ensaio na garagem, com eles, não aconteceu, por exemplo. “Nossos ensaios ocorriam dentro da rádio A Voz da Araraquarense. Tínhamos uma grande estrutura lá”, completa Fiico.
Vale dizer que, neste tempo, os Jungles estavam em destaque em Araraquara e com forte apoio da Rádio Cultura. Dentro desse contexto, a concorrente A Voz da Araraquarense resolveu apoiar os Profetas, em uma concorrência artística sadia. “O Billy era operador de som da rádio. Até por isso foi um dos fundadores”, relata.
Por contar com músicos preparados, a explosão dos Profetas foi rápida. Segundo Fiico, shows eram feitos todos os fins de semana, em clubes como 22 de Agosto, Araraquarense, além do Asilo de Mendicidade e também as concorridas quermesses.
“Nosso repertório era formado por músicas da Jovem Guarda, MPB, Bossa Nova e Beatles. No palco, éramos ótimos. Destaco o Pavan, que era um grande guitarrista para a época. Um dos melhores que já trabalhei, com um ouvido fantástico”, elogia Fiico.
Entre as passagens pitorescas, o tecladista lembra de um show em Boa Esperança do Sul, quando um dos membros deu um tiro para cima com seu revólver (o nome dele será mantido em segredo). O motivo: a paquera em cima das garotas da cidade. Resultado? A polícia apareceu e foi uma grande confusão.
Dentro do balaio dos momentos inesquecíveis, fica a aparição em um programa da TV Tupi ao lado do grupo Os Incríveis e o bate papo com a banda de Edinho Santa Cruz, em Passos, MG. “Naquela época, o Edinho estava começando. Ele continuou a fazer baile e veja o sucesso que alcançou. Quando os encontramos, era apenas o início para eles”, conta Fiico.
Definido por Fiico como uma passagem frenética, Os Intocáveis, na época com três vocais (Orselli e Os Manos), foram perdendo força. “Não há um motivo certo para a nossa falta de interesse. Eram muitos conjuntos, muitas trocas de integrantes. Nascia um grupo, morria outro. E assim, naturalmente, demos fim aos Intocáveis e cada um resolveu seguir seu caminho. Eu, por exemplo, ainda fui para Jungles, em uma de suas últimas formações”, relata o tecladista.
Estas são as duas paixões da vida de Fiico, que orgulhosamente se adjetiva como um amante da noite, um literal boêmio, que entre bebidas e cigarros, teve várias mulheres, mas nenhuma para chamar apenas de sua. “Não me arrependo de nenhuma decisão”, completa.
A fim de dar espaço ao seu outro dom, Fiico estudou Engenharia Civil na Faculdade São Bento, em Araraquara, e passou a alternar momentos entre música e construções, vivendo exclusivamente de uma atividade ou de outra em alguns momentos.
“Já fiquei muito tempo trabalhando em uma obra, assim como passei outros momentos fazendo bicos para bandas da cidade e região. Sou grato por ter sido muito requisitado em ambas as profissões, que amo sem limites, sem distinções”, relata.
ENGENHARIA E MÚSICA
Hoje autônomo, ele não toca mais, porém lembra, com carinho, que seus primeiros contatos com notas musicais vieram através de sua mãe, Iracema e seu irmão mais velho, Américo Borges. “Estudei piano aos 10 anos e logo já fui tocar em baile”.
Em abril de 2012, Fiico lançou seu primeiro CD de músicas autorais, ‘Minha Vida’, onde assina como gosta, Fico Borges. O material foi inteiramente composto por ele em sua casa e contou com 15 músicas, escolhidas entre as cerca de 70 compostas. A produção foi dividida com Javert Almeida.
O músico decidiu gravar o álbum em homenagem ao amigo de infância Binho, que faleceu anos antes. “A vida passa muito rápido e eu não poderia morrer sem registrar minhas canções. Hoje, minha saúde não é boa, mas sinto que cumpri minha missão. Não tenho mais cópias desse CD, pois distribui para muita gente. Quem quiser ouvir algo, basta escrever Fico Borges no You Tube”, finaliza o engenheiro músico.
NOTA DA REDAÇÃO
Membro de uma das mais tradicionais famílias de Araraquara, Antônio Roberto Corrêa Borges, o “Fiico”, veio a falecer em um sábado de novembro (30) em Araraquara, no ano passado; “Fiico”, assim que era conhecido, já vinha tendo problemas de saúde nos últimos meses, como ele próprio relatara na entrevista que concedeu em junho de 2018. Embora recebendo todos os cuidados, com procedimentos e tratamentos, não conseguiu vencer a doença.