Foi em sua casa na Rua São Bento, que Wanderliza Nascimento disse para um grupo de comerciantes do bairro do Carmo: “A Comcred vai dar certo, será a nossa cooperativa”. Naquele momento parecia estar sendo movida pelos mesmos impulsos do seu pai, o português Manoel Miguel do Nascimento, que na década de 30, sendo próspero fazendeiro em Araraquara e Marília, participou ativamente da fundação do Bradesco.
Na época, Wanderliza não tinha nem 12 anos, mas lembra o que o pai comentou: “Esse banquinho ainda será um alto negócio”. Foi assim que, em 1943, os cafeicultores, precisando acelerar o ritmo dos seus negócios investiram na ideia de Lázaro Brandão e Amador Aguiar, adquirindo a Casa Bancária Almeida, modelando o perfil bancário e trocando o nome para Bradesco. Foi a ligação do pai de Wanderliza com os diretores do banco que permitiu trazer a filial 002 do Bradesco para Araraquara. Mais tarde, com a abertura da agência em São Paulo (002), Araraquara passou a ser 003, onde foram gerentes Aldo Lupo, Achiles Vesoni e Pedro Ivo Zuollo, que ela se lembra com carinho.
Setenta anos depois, Wanderliza comemorou: “A Comcred conseguiu parceiros sólidos e a sua transformação em Sicoob Iesacred é uma demonstração de que houve plena confiança em seus propósitos”. Hoje é o Sicoob da Barroso, uma potência financeira no Estado de São Paulo, graças ao incentivo de pessoas como ela.
TRADIÇÃO FAMILIAR
O encontro realizado na comemoração dos 80 anos de idade de Wanderliza (2008), serviu para o resgate do seu passado familiar, envolvendo diretamente os avós paternos Maria Augusta e Joaquim Miguel de Mendonça e avós maternos Maria de Jesus e Francisco Maria de Andrade. Ambas as famílias no começo do século XX já eram estritamente voltadas para a atividade comercial em Araraquara.
Por volta de 1890, quando chegou ao Brasil, Joaquim Miguel de Mendonça, bem como outros imigrantes portugueses, adotaram uma faixa de terra da atual avenida Sete de Setembro até o bairro dos Machados, como ponto de partida para os seus negócios. Foi neste trecho que a família se instalou com uma venda de secos e molhados, dando-lhe a oportunidade de também negociar no atacado. Foi com isso que um de seus filhos – Manoel, prosperou ao longo de sua vida, comprando e revendendo cereais, agindo como distribuidor.
Em 1918, Manoel já era proprietário da Fazenda Morro Azul voltada para a cultura cafeeira e investia na compra de terras em Adamantina e Marília, incentivado por amigos, um deles Bento de Abreu Sampaio Vidal. A esta altura, casado com Maria Andrade do Nascimento, o casal tinha os filhos: Francisco, Waldomiro, Waldemar e Wanderliza e a adoção da sobrinha Gracinda Araújo. A família também já residia num sobrado da Av. José Bonifácio, em frente à praça de Santa Cruz, onde nasceu Wanderliza, em 1928. A infância e a adolescência foram passadas na Rua São Bento, 1271.
Paralelamente, seus avós maternos Maria de Jesus e Francisco Maria de Andrade também se destacavam no comércio com a Casa Andrade, na Rua Gonçalves Dias esquina com a Av. José Bonifácio, em meados de 1900. Pais e filhos – Maria, Antônio, Leopoldina, João, Georgina, Inês, Francisco, Arlinda, Leonilda e Abelardo, faziam os negócios prosperarem como atacadista de cereais em toda a região.
WANDERLIZA
Foi no auge do plantio do café (28) que Wanderliza nasceu, mantida pelos laços de duas tradicionais famílias que lhe possibilitaram estudos em bons colégios. No início, parte do primário no Colégio Progresso, depois a continuidade no Colégio São Carlos.
Era comum na época o envolvimento dos irmãos mais velhos ajudarem os pais no trabalho: Francisco já cuidava dos negócios da família em Araraquara com Waldemar, e Waldomiro, como filho mais velho permanecia em Marília. Alguns anos depois retornando para Araraquara cursou o Normal, passando a lecionar de 1949 a 1956, no “Antônio Lourenço Corrêa”. Foi em 1948 que conheceu Seraphin Bernardo, na saída de uma das sessões do Cine Odeon, após assistir “Os melhores anos de nossas vidas”.
Seraphin, lembrou Wanderliza um certo dia em uma conversa com a RCIA, dizia que me conhecia desde os tempos em que eu estudava no Colégio São Carlos. Ele era contabilista na Prefeitura e tinha 26 anos: “Sentamos para conversar num dos bancos da Esplanada das Rosas, passamos na Doceria Zoega e começamos a namorar”. Em 26 de julho de 1953 se casaram e um ano depois nasceu sua única filha – Kátia, hoje casada com o empresário Dorival Delbon Filho, proprietário de uma rede de lojas de calçados, uma delas a Style. Kátia e Dorival lhe deram dois netos – Matheus e Mirela.
Foi o neto Matheus que lhe surpreendeu em 2001 ao lhe propor para prestar vestibular em Psicologia na Unip. Eu estava com 73 anos e resolvi aceitar o desafio para mostrar que a vida é feita de desafios, independente da idade. Com 78 anos, Wanderliza estava formada sendo um dos maiores exemplos de ousadia e determinação que temos na história educacional de Araraquara.
O CASAL
Envolvidos na comunidade pela participação efetiva em iniciativas sociais, era da Beneficência Portuguesa que sempre vieram boas lembranças. Seraphin foi diretor e presidente do hospital em várias oportunidades. Essa ligação vinha desde os tempos em que o avô de Wanderliza – Francisco Maria Andrade, se empenhou para a fundação do hospital a partir de 1914. Sua carteira de associado e colaborador do hospital tem o n° 3. Ao atingir oito décadas, ela mostrava que era uma mulher de todos os tempos, exemplo para as novas gerações.
Wanderliza foi sepultada na manhã desta quinta-feira (8) em Araraquara no Cemitério São Bento, após ser velada por três horas no Velório Municipal. O seu falecimento se deu ontem por volta das 18h40. Foram com ela as doces lembranças da Araraquara que ela sempre amou.