Sempre no final de outubro de cada ano, a partir da década de 30, dois portugueses – Araújo e Teixeira, vinham do Rio de Janeiro com uma finalidade: a montagem do presépio em movimento da Casa Barbieri, um dos mais conceituados estabelecimentos comerciais na re-gião de Araraquara, fundada pelos irmãos Raphael e José Domingos Barbieri, em 1922. Na verdade, Araújo e Teixeira eram funcionários da Casa Continental, uma loja especializada em confecções e de quem a Casa Barbieri comprava artigos para revender, desde sua fundação.
O presépio ocupava o setor destinado a venda de faqueiros e eletrodomésticos na parte inferior da loja, ocupando duas vitrines que davam para a avenida Duque de Caxias. As peças e imagens trazidas de Portugal por Araújo eram montadas em 30 dias e todas em sintonia, se movimentavam com auxílio de correias e correntes; os carneirinhos vagavam em meio à relva; a água movimentava o monjolinho que fazia gerar a energia, acendendo pequenas lâmpadas que coloriam a manjedoura e iluminavam a Virgem Maria que fazia movimentos a embalar o Menino Jesus em sonhos. Tudo era feito com absoluta precisão.
Foi neste clima que os filhos de Raphael Barbieri (esposa Dona Ida) – Waldemar, Leonardo, Palmira, Roberto e Paulo e também os filhos de José Domingos Barbieri (esposa Dona Romilda) – Neto, Waldo, Wilmon, Nelson, Benito e Arnaldo, cresceram. Os dois irmãos, Raphael e Domingos, construíram a Casa Barbieri (Rua Nove de Julho esquina com a Duque) em forma de sobrado: no térreo a loja com seus diversos departamentos e na parte de cima, as casas, um verdadeiro luxo para a época, separando as famílias por uma única porta. Anexada ao prédio, pela Duque de Caxias, uma outra casa, onde moravam Dona Anunciata e José Barbieri, pais de José Domingos, Raphael, Luiza e Michelina.
COMO TUDO COMEÇOU
Por volta de 1900, José Barbieri deixava Monte Leone, um vilarejo de Vivo Valêncio, na Itália. Algum tempo depois, já estabelecido com uma sapataria na Rua do Commércio, n° 70 (hoje Rua Nove Julho), em Araraquara, ele trazia através do Consulado Italiano, toda família. Em nossa cidade, os filhos Domingos e Raphael passaram a ajudá-lo no conserto de sapatos. Os dois, já moços, decidiram que seria bem mais rentável vender os sapatos do que consertá-los e começaram a representar uma das mais famosas marcas da época: Calçados Villaça.
A loja funcionava na esquina da Nove de Julho com Espanha (antiga Casa A Esmeralda), vendendo inicialmente calçados; depois vieram as meias, camisas, seções voltadas para os homens. Em 1924, agora sós, os dois irmãos inauguravam a Casa Barbieri, em prédio próprio, na Nove de Julho com a Duque de Caxias, optando por novos departamentos: roupas femininas, jóias, discos, presentes, eletrodomésticos e completa seção de brinquedos. Para chamar a atenção das crianças criaram uma estratégia de marketing: o presépio em movimento, montado por Araújo e Teixeira. Acertaram em cheio. Para receber as crianças, a loja tinha o seu Papai Noel, que era o motorista Barrela. Agora, bem estruturados economicamente, Raphael e Domingos decidiram comprar terrenos ao lado para ampliação dos negócios, consolidando a Casa Barbieri na década de 30.
O INGRESSO DE WILMON
Enquanto José Barbieri Neto, Waldo, Nelson, Benito e Arnaldo avançavam nos estudos, Wilmon que fizera o primário no Colégio Progresso, afastou-se momentaneamente por causa de problemas na vista esquerda. O pai disse que Wilmon, então com 11 anos, não podia ficar parado e o colocou para trabalhar na seção de pacotes e entregas. Cinco anos depois, Wilmon passou a tomar conta da perfumaria, presentes, utilidades domésticas e seção dentária, sendo bem sucedido pela facilidade de formar equipes. Retornou tempos depois aos estudos para se formar Contabilista, em 1950, na Escola Técnica de Comércio. Neste ano ele também se casou com Nilda Goulart Barbieri e com quem teve os filhos: Maria Regina, Wilma, Suzana, José Domingos (falecido) e os gêmeos Luis Antônio e Luisa Helena (falecida).
Setenta anos depois, naquela manha de novembro de 2007, Wilmon contava ao RCIA que por ter problemas de visão e audição, encontrou sucesso profissional pela humildade e o trato com as pessoas: “Trocava idéias, dialogava com os funcionários, para que as coisas dessem bom resultado. Elas me ajudaram muito”.
Com a morte do pai Domingos Barbieri, nos anos 60, a sociedade com o irmão Raphael terminou. Wilmon foi para a Constrular Barbieri que havia sido criada pelos seus irmãos Nelson e Arnaldo; a Casa Barbieri, ficou para o seu tio Raphael e os filhos Leonardo e Roberto. Foi nesta época que também surgiu a Tendinha do Papai Noel, uma loja praticamente agregada a Casa Barbieri e que atendia cerca de mil clientes por dia.
Com o ingresso de Leonardo Barbieri na política e de Roberto Barbieri no jornalismo (O Diário) e também a morte do seu tio Raphael, Wilmon foi convidado a reassumir a Casa Barbieri. Só que agora, ele já administrava a Constrular e uma outra loja recém criada, que era a Centrolar, na Nove de Julho, especializada em ferragens, eletrodomésticos e artigos para presentes.
Wilmon outra vez enfrentou o desafio, deixando a Constrular para seus irmãos e encerrando as atividades da Centrolar para se dedicar à Casa Barbieri, que voltou a passar por reformulações, em função das próprias mudanças no comportamento da sociedade a partir dos anos 70. Por mais 20 anos, a Casa Barbieri se manteve em seu ponto tradicional na Nove de Julho. A partir de 06/07/1996, ela passou a atender em outro prédio próprio, na avenida Brasil, entre as ruas Nove de Julho e São Bento, voltada exclusivamente para o setor mo-veleiro.
“Sinto-me orgulhoso hoje em ter mantido a tradição da loja e estou profundamente feliz em acompanhar o sucesso dos meus filhos Luisa Helena e Luis Antônio que assumiram a Casa Barbieri”, disse Wilmon, naquela manhã. Com Luisa e Luis, a história dos irmãos Domingos e Raphael se repetiu por um bom tempo, porém com uma responsabilidade muito maior: de conservar um patrimônio e uma das mais conceituadas marcas existentes no mercado brasileiro e que se identificava com ética e seriedade comercial. Wilmon veio a falecer em 2012, aos 89 anos; a esposa Nilda, em maio de 2004, aos 78 anos.
Luísa adoentada se afastou das suas atividades na Casa Barbieri; com o seu falecimento em 2011, o irmão Luís Antonio algum tempo depois optou em fechar a loja, deixando uma linda história de amor à família, ao trabalho e aos clientes que sempre fizeram da Casa Barbieri – um sonho de Natal.