O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) deu provimento parcial ao recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) e determinou que o Município de São Carlos apresente um plano de ação com cronograma de prazos para coibir a violência física e verbal sofrida por profissionais de saúde de UPAs, UBSs e USFs da cidade.
Os desembargadores da 10ª Câmara de julgamento mantiveram a condenação de primeira instância que obrigava o Município a apresentar o referido plano no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado do processo, contudo, determinaram que ele contivesse prazos claros e um cronograma para cumprimento. Em sua sentença, o juiz da 2ª Vara do Trabalho de São Carlos afirmou que não seria possível estabelecer tais prazos pois “a maior parte das ações[…]depende de autorização legal e disponibilidade orçamentária”.
O relator do processo, desembargador Fábio Grasselli, ponderou que “o presente caso revela a existência de um problema estrutural vivenciado pelas partes, que poderá atingir de forma reflexa a sociedade, considerando que os direitos violados dos servidores terão reflexos no serviço público prestado”.
Caso deixe de cumprir a obrigação, o Município pagará multa de R$ 500 por dia de atraso. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
INQUÉRITO
O procurador Rafael de Araújo Gomes investigou o Município de São Carlos após a denúncia de que um médico de uma Unidade de Pronto Atendimento fora agredido fisicamente e verbalmente por uma paciente. Ele havia recebido um tapa no rosto e a cidadã se direcionou a ele usando palavras de baixo calão.
Em resposta a um ofício do MPT, o Município disse estar tomando providências para garantir a segurança dos trabalhadores, mas afirmou que a Guarda Municipal não tinha efetivo suficiente para patrulhar todas as unidades de saúde.
Em consulta ao Sindicato dos Servidores Públicos de São Carlos, o MPT obteve uma série de provas demonstrando diversos casos de agressão sofridos por médicos e enfermeiros em unidades públicas de saúde, inclusive alguns que resultaram em processos judiciais.
Segundo a entidade, os locais de atendimento de saúde, “em especial as UPAs e USFs se tornaram ambientes de trabalho perigosos e insalubres”, e que não há a atenção do Município “no sentido de implementar qualquer medida que ofereça aos servidores um local de trabalho seguro”.
O relatório apontou casos de lesão corporal sofridos por servidores desde 2018, especialmente técnicos de enfermagem e auxiliares administrativos, além de agressões verbais e ameaças. Alguns desses casos foram noticiados na mídia, um deles, inclusive, em novembro de 2024, quando uma cidadã, impaciente com a demora no atendimento na UPA Cidade Aracy agrediu física e verbalmente uma enfermeira, além de arremessar objetos da sala de triagem. Na mesma unidade foi registrado em 2022 um caso de agressão física a dois servidores, um deles sendo atingido por um paciente com um soco na boca. Em outra oportunidade, um enfermeiro do SAMU foi assaltado também na UPA Cidade Aracy.
O MPT também oficiou outras entidades representativas de profissionais de saúde, como o COFEN, o CFM e o COREN, para entender a dimensão do problema envolvendo a violência contra profissionais de saúde durante o exercício da profissão. Em resposta, O COREN informou ter constatado irregularidades em uma das unidades de saúde de São Carlos, reafirmando que são frequentes os ataques e ameaças sofridos pelos profissionais no ambiente de trabalho, e que não há qualquer medida de segurança tomada pelo Município para a proteção dos servidores.
Durante a tramitação do inquérito, o Município criou uma comissão municipal específica para tratar do tema, com a expressa incumbência de elaborar um plano de enfrentamento. O MPT acompanhou os trabalhos da comissão, que foram paralisados pela prefeitura em diversos momentos, e ao final não se produziu qualquer plano.
O procurador oficiante deu prazos ao Município e aguardou por providências, que não foram tomadas, levando ao ajuizamento da ação civil pública.
“Não se compreende como o Município de São Carlos possa ter desprezado por tanto tempo a segurança dos profissionais que até recentemente, durante o período pandêmico, eram aludidos como heróis. Trabalhadores que constantemente estão expostos a todo tipo de negligência e abandono, considerando-se o cenário da saúde pública brasileira, em que se falta tudo quanto é tipo de suporte, como materiais básicos e condições de trabalho justas, fora as infames extensas jornadas que levam à uma verdadeira exaustão”, lamenta o procurador Rafael de Araújo Gomes.
ESTUDO INTERNACIONAL
Estudo internacional – Uma pesquisa da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) realizada com 20 mil profissionais de saúde de países latino-americanos revela que 66,7% dos entrevistados sofreram algum tipo de agressão no local de trabalho em 2015, um aumento considerável frente o último levantamento (2006), que mostrou que o índice de agressão era de 54,6%.
O estudo apontou ainda que ¾ das agressões ocorreram em instituições públicas e foram motivadas pela demora no atendimento (44,2%), falta de recurso para o cuidado (28,2%) e notificação de morte (8,6%). Outra conclusão do levantamento é que 30% dos profissionais agredidos fisicamente suspenderam as suas atividades laborais temporariamente por conta da violência sofrida.