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Dinheiro tem, mas crédito não chega aos pequenos negócios

Não é só a restrição no CPF ou CNPJ que impede acesso a financiamentos. Juros altos, burocracia e, principalmente, falta de garantias, são os fatores que mais atrapalham as MPEs quando precisam de recursos

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Desde os primeiros momentos da pandemia, quando o governo federal anunciou medidas emergenciais para socorrer pequenas empresas e MEIs (Microempreendedores Individuais), Paulo Roberto tenta ter acesso a financiamentos para cobrir a folha de pagamento e ajudar no fluxo de caixa da sua loja.

Proprietária de um misto de clínica estética e estúdio de pilates, Lígia também têm feito tentativas semelhantes para contornar os impactos das medidas restritivas, mas sem sucesso.

Com retração no fluxo de caixa que já ultrapassa 40% desde o início da pandemia, os pequenos negócios também enfrentam outra dificuldade para sobreviver: o acesso ao crédito.

Uma pesquisa do Sebrae em parceria com a FGV, divulgada nesta segunda-feira (30/06), mostra que das 6,7 milhões de micros e pequenas empresas que solicitaram crédito entre 7 de abril e 2 de junho últimos, apenas 16%, ou 1 em cada 7 negócios, efetivamente conseguiu.

Entre as principais dificuldades citadas estão CPF com restrições (19%) e a negativação no CADIN/Serasa (11%). Mas outros 11% dos 7.703 empresários entrevistados apontaram um obstáculo muito comum ao dia a dia dessas empresas, antes mesmo da pandemia: a falta de garantias ou avalistas.

Para elas, a dificuldade de acesso ao crédito continua porque bancos “olham para frente”, e no atual cenário o horizonte não é favorável, diz Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

“Como as empresas menores não têm garantias, os bancos evitam emprestar”, afirma. “Mas o Banco Central e o Ministério da Economia têm estimulado fontes alternativas, como empresas de cartões, fintechs, etc.”

A liberação de R$ 15,9 bilhões em recursos pelo governo federal desde 10 de junho pelo Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), que está demorando um pouco para chegar na ponta, diz Solimeo, deve ajudar um pouco. Pelo menos na questão das garantias.

LIGIA, DO LM STUDIO: VÁRIAS SOLICITAÇÕES, NENHUMA RESPOSTA

OUTROS ENTRAVES 

Outra pesquisa, realizada pela empresa de meios de pagamento PayPal em parceria com a Opinion Box e apresentada em maio último, mostra também o que leva os empreendedores a conseguir contratar ou não crédito no Brasil.

Realizado pouco antes do início da pandemia (entre 10 e 20 de janeiro, com 614 pequenos empresários), o levantamento revela outros entraves para obter crédito que continuam hoje, como altas taxas de juros (para 34% deles), burocracia do processo (28%) e a dificuldade em conseguir o valor necessário (12%).

A percepção, segundo Felipe Schepers, diretor executivo da Opinion Box, é o mercado não oferecer condições ideais de acesso a crédito, já que 54% acreditam que o dinheiro disponível é só para grandes empresas.

“Para esse empreendedor, não há acesso nem opções de crédito adaptadas à sua realidade de negócios, e muita diferença entre o que está sendo ofertado e o que é demandado”, destaca.

Entre os que informaram sobre por que não conseguiram crédito, a maioria (30%) não obteve sucesso por não ter conta no banco ou histórico de relacionamento com a instituição. Outros 22% não conseguiram demonstrar fluxo de caixa, 19%, por falta de documentação necessária, e 17%, por problemas com o CNPJ.

Agora, muitos têm dificuldade até de acessar as linhas do governo formatadas para atender MPEs durante a pandemia, como Paulo Roberto Perelli, proprietário das Lojas Botafogo, com uma unidade em Presidente Venceslau e outra em Presidente Epitácio, ambas na região de Presidente Prudente (interior de São Paulo).

Com queda de 70% no faturamento entre março e abril, ele, que não conseguiu a linha de crédito para folha de salários, teve de demitir seis das 12 funcionárias, e reduziu em 25% jornada e salário de quem sobrou em seu comércio de vestuário e artigos de cama, mesa e banho – um dos segmentos mais atingidos pelas medidas restritivas.

“No pré-pandemia não tinha muito problema para obter crédito, a não ser as altas taxas de juros”, afirma. “Mas nessas novas linhas pós-pandemia é que encontramos dificuldades”, diz ele, que tentou também linhas para capital de giro, como o Pronampe, mas até agora, nada.

A demora para esse dinheiro chegar na ponta, conforme citou Solimeo, da ACSP, foi confirmada por Perelli: até agora, não achou nada disponível com taxas anunciadas pelo governo (1,25% mais Selic) nos bancos.

“É muita burocracia. Mas essa semana o gerente solicitou alguns documentos contábeis para agilizar o processo, então pode ser que estejam próximos de liberar alguma coisa.”

PERELLI, DAS LOJAS BOTAFOGO: DIFICULDADES PARA OBTER CRÉDITO EM LINHAS PÓS-PANDEMIA

Ao intensificar vendas pelo Facebook, Instagram, e adotando até drive thru e delivery, o lojista reduziu bastante a queda nas receitas nos meses de  maio e junho, de 70% para 30%.

Mas ainda está na expectativa de conseguir crédito. “É para ter tranquilidade de honrar compromissos nesse momento, e conseguir nos manter no mercado depois”, explica.

FALTA DE INFORMAÇÃO 

Com apenas uma funcionária, Ligia Maria Chiconato, dona do LM Studio de Pilates e Estética, em Embu Guaçu (na Região Metropolitana de São Paulo) teve que fechar o espaço temporariamente após a implantação das medidas de isolamento social.

Sem atendimento, viu o fluxo de caixa despencar e tentou crédito junto ao Banco do Povo Paulista, fechado em sua cidade durante a pandemia, e em bancos privados. No primeiro, fez três solicitações pelo site desde 20 de março, enviou toda a documentação e não obteve resposta.

Já no caso dos demais bancos, por ser MEI e não ter faturamento fixo, não conseguiu o valor necessário para cobrir as despesas. E, infelizmente, precisou demitir sua funcionária.

“É nossa única fonte de renda (ela, esteticista, e o marido, professor de pilates, são sócios na clínica), e conseguir crédito para fluxo de caixa seria importante para retomar os negócios”, diz.

A pesquisa PayPal/Opinion Box mostra um dado significativo: entre os entrevistados que não conseguiram crédito nas instituições financeiras, como Paulo Roberto e Lígia, 47% jamais souberam as razões da recusa.

A falta de informação pelos bancos, que não dão treinamento necessário para esse crédito chegar na ponta ou para o empreendedor entender as razões da negativa é um grande obstáculo, segundo Maurício Wanderley Estanislau Costa, gerente técnico da FGV Projetos e responsável pela pesquisa de crédito do Sebrae.

“O Sebrae está fazendo esse papel das instituições financeiras, interligando agentes públicos e privados e disponibilizando cartilhas para MPEs”, afirma. “Mas se o pequeno negócio não tem educação financeira e não conhece seu negócio com detalhes, qualquer dinheiro pode trazer um malefício maior que a falta dele.”

Outros dados da pesquisa PayPal apontam que o maior receio de contratar crédito é não conseguir pagar boletos em dia ou ficar inadimplente (36% na média, e 48% no caso de empresas com receita mensal até R$ 3.245). Já 24% temem investir o dinheiro de forma equivocada, e 16% de não entender as regras da operação.

Do pequeno comerciante ao escritório de contabilidade, aqueles que tomam dinheiro emprestado para se recuperar e gerar receita, mas tiverem dificuldade para pagar, “é melhor fechar a empresa do que dever para o banco. Ou a empresa não consegue mais girar”, alerta o gerente técnico da FGV Projetos.

No último dia 6, Lígia reabriu de acordo com o decreto municipal, que por enquanto só autoriza a operação estética, e trabalha para recuperar o prejuízo atendendo uma cliente por vez, com horário marcado e seguindo os protocolos sanitários. “A minha expectativa é que tudo isso normalize logo”, finaliza.

*Diário do Comércio