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A história da Segunda Guerra partiu com o pracinha Zé Marino

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Nem mesmo as doze horas de intenso e sangrento combate em um território inimigo lamacento e escarpado durante o rigoroso inverno do Velho Continente, foram capazes de impedir a Força Expedicionária Brasileira (FEB) de tomar Monte Castelo, na Itália, em 21 de fevereiro de 1945, durante a 2ª Guerra Mundial. Na guerra estava José Marino, araraquarense tido como herói, que foi sepultado nesta terça-feira em nossa cidade, aos 98 anos.

Marino 70Desfile da FEB na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, em 24 de maio de 1944. José Marino é o primeiro homem da coluna da esquerda

O pracinha araraquarense José Marino, então com 97 anos, em fevereiro de 2017, concedeu entrevista a Revista Comércio, Indústria e Agronegócio e ao repórter Matheus Vieira. Marino, foi um dos heróis brasileiros que sobreviveram a esta sangrenta batalha, mais importante feito dos nossos militares durante seus oito meses de participação no conflito. Mesmo com idade avançada ele  narrou passagens desta campanha por meio de lembranças guardadas como um ex-soldado.

‘Difícil acreditar como pude sobreviver àquele inferno’

O araraquarense José Marino revelou que não imagina como conseguiu escapar com vida desta campanha; fome, frio, roupas sujas e a saudade de casa eram os principais pontos negativos. ‘Também enterrei muitos amigos na Europa. Todo o tempo que passei por lá, eu costumo chamar de inferno’, completa.

Soldados subindo o Monte Castelo em 1945

Com a vitória em Monte Castelo, os pracinhas brasileiros fizeram história e ajudaram a mudar o rumo da 2ª Guerra Mundial, que durou de 1939 a 1945. A conquista foi de grande importância tática, afinal, ela permitiu o avanço das tropas aliadas em direção à Alemanha, que culminaria com a derrota do Eixo (que além dos italianos e germânicos, contava com o apoio dos japoneses).

Fora a relevância estratégica para os Aliados (França, Inglaterra, Brasil, EUA e URSS), o feito mostrou para o mundo a garra e a coragem do povo brasileiro, afinal, a rotina desses destemidos heróis era marcada por lutas extenuantes e adversidades extremas, com muito frio e fome.

O araraquarense José Marino está entre aqueles bravos homens que sobreviveram a todo esse ambiente desfavorável. Certa vez, ao conversar com o nosso jornalista Matheus Vieira, com uma voz rouca e um coração carregado de angústias, ele relatou algumas lembranças dos tempos difíceis de guerra no Velho Continente.

À época, Marino tinha apenas 24 anos, um jovem ainda cheio de sonhos. Ele participou de quatro ações dentro de Monte Castelo, protegendo sempre uma trincheira de cerca de 80 cm de altura dos ataques da frente italiana, que tinha o comando do general alemão Heinrich von Vietinghoff.

O local apresentava 977 metros de altitude e ficava entre as regiões da Toscana e Emília-Romagna. “Eu e mais três colegas ficávamos dia e noite lá dentro, atirando nos inimigos. A média de temperatura era de 20 graus negativos. Havia montanhas de neve por todo lugar e gelo nas árvores. Não sei como sobrevivemos a tudo isso. Não tenho nenhuma saudade desse período, enterrei muitos companheiros lá”, recorda.

Fora a morte de amigos, o ex-pracinha lamenta as péssimas condições que todos os soldados enfrentavam.

Em 2014, Marino participou dos Encontro Nacional de Veteranos da FEB, no Rio de Janeiro

“Dormíamos no chão ou na terra ou dentro de buracos. A comida, quando tinha, era enlatada e apena no almoço. No café da manhã, a comida era dividida. Às vezes, tinha pão e café. E sem contar as roupas, que ficávamos meses sem trocar”, lembra.

NO FRONT DE BATALHA

Seo Marino viveu 239 dias de lutas durante a 2ª Guerra Mundial, tempo que ele adjetiva como ‘inferno’.  Natural de Santa Rita do Passa Quatro, mudou- se para Araraquara tempos depois de seu retorno do conflito, aos 28 anos.

Marino foi da classe de 1920 e, em 1922 foi sorteado para servir o Exército em Pindamonhangaba. Depois foi para o Rio de Janeiro e assim encaminhado para servir ao Brasil durante a guerra. Por falar italiano, estava sempre ao lado dos oficiais das forças armadas no front. No campo de batalha, recebeu uma carta com uma citação de agradecimento do norte-americano Mark Clark, comandante do 4º Corpo do Exército Estadunidense, que dividia o espaço com a FEB, que tinha à frente o general João Batista Mascarenhas de Morais.

Ele foi homenageado na Itália; na foto, vendo as placas que identificam os companheiros mortos nos confrontos

O soldado foi ferido duas vezes em combate, mas nada sério. Certa vez, passou, segundo ele, por seu maior susto, quando teve seu capacete alvejado por tiros.

Porém, em meio a todo esse caos, ele lembra de quatro dias especiais, nos quais sua divisão foi convidada a dormir em uma casa com colchão, farta comida e chuveiro quente.

De volta ao Brasil, passou por algumas dificuldades para arrumar trabalho e também enfrentou um câncer. Casou- se com Laura e teve uma filha, Maria do Carmo, farmacêutica e esposa de Volney Schiavon.

Destaque em livros sobre a FEB e tema de muitas reportagens relacionadas, Seo Marino viajou para Itália em 2015 onde, ao lado de outros pracinhas brasileiros, reviveram alguns passos dos brasileiros em território europeu.

Escreveu também um livro de poemas, “Sentimentos”, com versos rabiscados nas trincheiras. O lançamento do material ocorreu em 2011, em Araraquara. “Atualmente, Seo Marino está com 97 anos. Sua saúde está muito já está um tanto debilitada”, escreveu o jornalista Matheus Vieira no ano passado.

O amigo Beto Neves visitando Marino por ocasião do seu aniversário em 2018

BREVE BALANÇO

De julho de 1944 a maio de 1945, a FEB (Força Expedicionária Brasileira) participou das operações da 2ª Guerra Mundial, na Itália, com 25.334 homens. Também ocorreram campanhas no norte da África. O lema da nossa infantaria era “A cobra vai fumar”. Somente em Monte Castelo, 460 brasileiros morreram. Os pracinhas também conseguiram outras importantes vitórias contra o Eixo, tomando também as cidades de Turim, Montese. Estima-se que mais de 14 mil alemães se renderam aos militares nacionais.

REPERCUSSÃO

Em dezembro, o estado de saúde de José Marino já era preocupante. Amigos como Vitor e Ana, que alimentam o blog Our Military Jeep & Other World War II toughts, visitaram Marino e publicaram a seguinte nota:

“Boletim Médico, Marino 98 anos, Herói Brasileiro da Segunda Guerra

José Marino saiu do hospital (14/12) e voltou para sua casa, com o comprometimento de parte dos rins. Já não deixa mais o quarto e permanece acamado. Visitamos Marino (15/12) e ele compreendeu tudo. Conversou conosco sem sair da cama. Estava inchado, por conta da hidronefrose. Piorou no domingo (16/12) e não será mais internado. Recebeu a visita do médico e está com muita falta de ar. Um tubo de oxigênio será instalado em seu quarto.

Como em todos os outros 98 anos e 9 meses de vida, Marino luta”.

De fato, o herói esperou o último dia de dezembro para encerrar o ano e a própria vida.Descanse em paz, guerreiro.

Vitor e Ana que mantém um blog em uma visita a Marino em Araraquara