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No cenário da cidade, o São Geraldo também é o retrato das praças abandonadas

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Crônica: Ivan Roberto PeroniIgreja Sao Geraldo

Seis horas da tarde. Havia já um bom tempo que eu não parava pelos lados da pastelaria no São Geraldo, na Rua 7 (Itália) bem em direção da igreja; olhando para cima, o Posto Vila Rica e pelas minhas contas uns dois bares – do Jacintho e do antigo Gavião, sem contar o empório do ‘seo’ Antônio Medeiros logo na esquina. Conto isso, porque há décadas não ouvia o badalar dos sinos em uma igreja e tão pouco o som de uma Ave Maria anunciando o começo da noite.

Mas as coisas mudaram muito. ‘Seo Antônio’, pai do Takao que tem a pastelaria na Alameda Paulista já faleceu e hoje vejo o neto dele no caixa; o Vila Rica já não é do Antonio Narcizo Donato, o Bar do Gavião migrou para a Avenida 36, o Bar do Zelão que também morreu, se transformou em quitanda e o ‘seo Antônio Medeiros’ do empório, baixou as portas e eu nunca mais soube dele.

Mas o santo, São Geraldo, um aprendiz de alfaiate que a partir do século XVII passou a ser o protetor das grávidas, ali está, impávido e colosso numa espécie de redoma, com o relógio acima da sua cabeça e a caveira nos pés, a olhar quem sabe, as coisas que acontecem no bairro e os segredos dos confessionários.

Saudosismo a parte, a economia nos diz que é um bairro de aposentados e que um certo dia por força da fidelidade dos moradores, elegeu vereador Waldemar De Santi e anos mais tarde, prefeito por três vezes desta cidade. Isso também mudou: velhos eleitores já morreram, filhos e netos já não se casam com pessoas do mesmo bairro e na rota da miscigenação, o São Geraldo com o tempo, foi perdendo um pouco das suas linhas conservadoras.

Dizer que o São Geraldo de todo tornou-se um bairro moderno, atraente, nem pensar. Sem o cheiro das indústrias e um comércio que se reduz a contar com clientes tradicionais, ele pouco ou quase nada tem a oferecer a não ser a Paz. Se era um bairro que tinha a severidade do padre Armando, espécie de xerife a espantar os desocupados da praça e atendente a qualquer hora para dar a extremunção aos moradores, não dá mais pra tê-lo com a mesma forma que eu conheci. Olhar para a praça é vê-la imunda, na mistura de mato e poucas plantas. Figueiras que serviam em seu dorso para assinaturas desencontradas feitas por corações flechados, delas não se cuidaram. Morrem aos poucos, velhas é lógico.

Seis da tarde, dispara o sino, toca a Ave Maria e confesso no mesmo jeito estiloso do padre Armando dentro daquele cenário desfalecido e de calmaria: “A música parece chorar pelo mundo que estamos vivendo de tão linda que é”. Só agradeço a Deus por ter me dado esse lugar pra minha infância.