Atual patamar das vendas dos setores de combustíveis, livros, jornais, revistas e papelaria é inferior ao de 2008. Vendas de artigos farmacêuticos e de perfumaria, por outro lado, praticamente dobraram
Surfando na onda do desafio dos dez anos que agitou as redes sociais nas últimas semanas, realizamos um levantamento, a partir dos dados da Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE, para avaliar a evolução das vendas do comércio varejista, por setor de atividade, entre 2008 e 2018.
As vendas do varejo, é importante ressaltar, estão sempre sujeitas à conjuntura econômica, de forma que é comum observar variações significativas em períodos curtos de tempo.
No período analisado, em particular, elas foram fortemente afetadas pela crise internacional de 2008 e 2009 e pela recessão brasileira de 2015 e 2016.
Ainda assim, a partir da comparação entre o movimento do comércio hoje e há dez anos, os dados do IBGE permitem constatações interessantes, que apontam para importantes mudanças estruturais na dinâmica setorial do varejo brasileiro.
Em apenas dois dos nove setores analisados é observado um movimento do comércio inferior ao de 2008. Não surpreende que o maior recuo (-19,4%) tenha sido registrado no segmento de livros, jornais, revistas e papelaria, talvez a maior vítima da revolução digital e da ascensão dos smartphones – entre 2012 e 2017, saltou de 14% para 67% o percentual da população brasileira que utiliza smartphones, segundo pesquisa Google Consumer Barometer Brazil.
A tendência de queda das vendas observada desde 2013 foi agravada em 2018 pela crise financeira e pelo fechamento de lojas de grandes redes varejistas do setor –apenas no ano passado, até novembro, as vendas do segmento recuaram 13,6% em relação ao mesmo período de 2017.
Já a ligeira queda observada nas vendas de combustíveis e lubrificantes (-0,6%) pode ser atribuída em parte ao aumento dos preços – de 76% em dez anos.
Inovações tecnológicas e mudanças de comportamento do consumidor também podem ter contribuído para essa redução.
Ao menos na Grande São Paulo, de acordo com a Pesquisa Origem Destino do Metrô, os deslocamentos por metrô, trens e aplicativos ganharam espaço na matriz de transporte entre 2007 e 2017, enquanto a participação dos deslocamentos por automóvel próprio ficou estável.
Essas mudanças também podem estar por trás do desempenho relativamente mais fraco do varejo de veículos e peças.
Enquanto o comércio varejista como um todo registrou crescimento de 27,9% em dez anos, as vendas de veículos e peças em 2018 foram somente 9,8% superiores às registradas em 2008.
Outro indício da transformação em curso nessa área aparece nos dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), segundo os quais a média mensal de emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) caiu 32% entre 2014 e 2018, de cerca de 250 mil para cerca de 170 mil documentos.
Com o avanço dos aplicativos de transporte e as mudanças dos hábitos de locomoção, especialmente entre as novas gerações, parece estar diminuindo o interesse pela habilitação – e também pela aquisição de veículos.
Vale ressaltar, contudo, que o segmento foi um dos mais afetados pela crise recente. Por se tratarem de bens cujo preço é elevado, as vendas dependem principalmente das condições de financiamento e da disposição dos consumidores a assumirem novas dívidas.
Após quase quatro anos consecutivos de retração, somente no ano passado as vendas de veículos voltaram a registrar crescimento expressivo.
Tanto se falou aqui em avanços tecnológicos e mudança de comportamento do consumidor que também não chega a surpreender a alta de 62,4% do volume de vendas de equipamentos de informática e comunicação em dez anos.
O segmento, entretanto, não é o que registrou o maior crescimento no período, ficando atrás do ramo de farmácias, cosméticos e perfumarias, cujas vendas praticamente dobraram entre 2008 e 2018 (alta de 99,7%).
Explicam esse aumento fatores como a preocupação crescente dos consumidores com a saúde, estética e bem-estar e o processo de envelhecimento populacional e aumento da expectativa de vida observado no país.
Com o envelhecimento populacional, tende a crescer a incidência de doenças crônicas – que exigem cuidados continuados – e, com isso, a demanda por medicamentos.
Segundo o IBGE, a participação de idosos (indivíduos com 60 anos ou mais) saltou de 8,2% da população em 2000 para 9,5% em 2008, 13,4% em 2018 e deve alcançar 18% nos próximos dez anos.
É verdade que, de maneira geral, as vendas do varejo dependem da evolução do emprego, da renda e das condições de financiamento na economia.
As diferenças no desempenho setorial apontada pelo desafio dos dez anos, contudo, parecem espelhar mudanças mais profundas na sociedade e no comportamento dos consumidores.
Bom para alguns setores, que acabam favorecidos por essas mudanças. Desafio para outros, que muitas vezes precisam se reinventar para se adaptarem aos novos tempos.