Era no salão de festas do Asilo de Mendicidade, na avenida D. Pedro II, que a cidade acontecia nos fins de semana com eventos particulares. Eram casamentos, aniversários e as brincadeiras dançantes. Nos clubes como 22 de Agosto, Araraquarense, 27 de Outubro, Palmeiras e o Melusa, apenas as suas específicas atividades sociais, pois eles buscavam não encontrar concorrentes, principalmente ações estudantis.
Assim foram os anos 60, marcados pela generosidade do “seo Bento”, uma espécie de secretário que alugava o salão do Asilo para as promoções particulares nestes anos itensos e maravilhosos, chamados como a era da paz e do amor, com os jovens procurando alternativas de viver, de ser feliz.
O salão de festas do Asilo contribuiu para o aparecimento de grupos musicais em meio a esse processo de transformação comportamental. Cantores famosos da Jovem Guarda como Paulo Sérgio, Nilton César e tantos outros ali também deixaram seus nomes gravados.
Foi assim que surgiu The Mugs Boys que percorreu o caminho da fama entre 66 e 69, deixando uma história de amizade, respeito e companheirismo, unindo um bando de crianças da classe média para fazer pulsar a adolescência nos tempos dourados de nossas vidas. Foram acontecimentos que só quem teve sua infância e juventude naquela época pode hoje fazer um testemunho mais preciso do que se passou.
FOI UMA ÉPOCA DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E AO MESMO TEMPO, TUDO ISSO CHEIO DE MUITA REPRESSÃO.
Conjunto. Assim eram chamados os grupos musicais. The Mugs Boys foi um conjunto araraquarense nos anos 1966 a 1969 e teve na formação principal os jovens músicos José Luiz na guitarra solo, Octávio Cândido Pereira Filho (Tavinho) na guitarra base, Luiz Carlos Rodrigues (Muguinho) também numa segunda guitarra base, Roberto Múcio (Betão/Múcião) no contra baixo, Francisco Carlos dos Santos (Chiquinho Batera) na bateria e Carlinhos Vaqueiro, cantor. Posteriormente Airton passou a integrar o grupo no órgão.
Circularam também pelo grupo os bateristas Roberto e Ezequiel e algumas participações do pistonista Gibele. Componente importante era Pedro Rodrigues (Mugão), empresário e diretor do grupo, também pai do guitarrista Luiz Carlos (Muguinho).
O nome do conjunto foi inspirado no bonequinho MUG que em 1966 virou febre nacional. “Dava sorte”. Daí os apelidos de Mugão e seu filho Muguinho.
Octávio relata que apoiado pelo pai que era um bom violinista, teve a ideia de montar um conjunto e com o José Luiz que era seu vizinho, passaram a tocar juntos e sem muita pretensão. Em seguida juntaram-se aos dois o Carlinhos Vaqueiro e o Luiz Carlos (Muguinho). Não demorou e os ensaios na casa do empresário Pedro Rodrigues também passaram a ter Múcio (baixo) e Roberto (bateria).
O Betão nos conta que o conjunto começou com uma aparelhagem modesta (Phelpa de 20 Watts) e que nos ensaios chegou a tocar contra-baixo na rádio vitrola do Mugão. Bom instrumento mesmo, era somente a bateria que diziam ter sido do famoso Zimbo Trio.
Tavinho diz que “o Mugão tinha uma gráfica e era muito organizado. Sua experiência empresarial levou o grupo a adquirir três amplificadores de guitarra True Reverbe, amplificador de contra baixo Thunder Sound fabricados pela Gianinni, os melhores da época e também um órgão que era lançamento da Diatron”. O Airton, convidado para integrar o grupo, como bom organista que era, deu um grande impulso ao conjunto.
Esses aparelhos e instrumentos foram comprados e pagos com as apresentações em bailes na região, como Usina Tamoio, Usina Guatapará, Usina Bela Vista, Guarapiranga, Santa Lúcia, Matão, Curupá, além de outras localidades. Em nossa cidade tocavam em clubes como Nipo Brasileira, Clube 22 de Agosto (ainda na Av. Portugal), 27 de Outubro (Rua 9 de Julho entre Espanha e Feijó), Clube Araraquarense (Rua São Bento). Tocavam ainda nas domingueiras do Asilo de Mendicidade, sozinhos ou ao lado de conjuntos como o The Brazilians Boys e outros.
O grupo gostava de tocar gratuitamente em festas beneficentes como nas quermesses da Igreja Nossa Senhora das Graças e após cada apresentação – Mugão fazia uma reunião para corrigir as falhas e pensar nos novos bailes. Constantes ainda eram as apresentações no programa que o conjunto The Jungles tinha na Rádio Cultura. Sempre foram agradecidos pela oportunidade.
O grupo ficou tão conhecido que os músicos passaram a dar autógrafos, sempre abordados pelas fãs. A situação era tão promissora e favorável que o Mugão deixou a atividade gráfica para se dedicar exclusivamente a empresariar os rapazes. Curioso é que o conjunto fez um baile em Curupá, ficando marcado pelo tratamento diferenciado que os músicos receberam. No lanche foram surpreendidos com refrigerantes, leitoa assada, frango assado e ainda elogiados em discurso inflamado do presidente do clube.
Os companheiros lembram que Tavinho com seu ouvido educado comandava os ensaios e a afinação.
Ficava com um diapasão de sopro na boca para afinar os instrumentos, o que dificultava sua fala. Queria dizer “falta pouco, falta pouco…”, mas saia “farta foco, farta foco…” e todos se divertiam. Bem, lembram os ‘meninos’, o repertório era da Jovem Guarda com músicas de grupos como The Shadows, The Ventures, Incríveis, e músicas como Tema dos jovens Enamorados, The end, Al dila, Gatinha manhosa, Black is Black, Vem quente que eu estou fervendo, Era um garoto…, Alegria alegria e outras. Múcio relata que “a música que todos os grupos tocavam era O milionário, gravação dos Incríveis, porém, a melodia mais difícil da época era Czardas, gravação também dos Incríveis, que modéstia a parte saia bem bonita. “Nosso organista Airton dominava muito bem o teclado”. Airton tocava também na Igreja Nossa Senhora das Graças em um órgão espetacular que deve estar lá até hoje, relembra Múcio.
O uniforme do conjunto era blusão azul, calça saint-tropez boca de sino vermelha com cinturão preto, botinhas vermelhas feitas sob encomenda e com salto carrapeta. Esse uniforme foi copiado do grupo vocal Renato e Seus Blue Caps.
Octavinho e o Múcio, neste nosso encontro, contam que participaram de um concurso entre conjuntos da cidade e região, no Salão de Festas ao lado da Igreja de Santa Cruz. Não foram os vencedores mas ficaram honrados em estar ao lado de grandes grupos, disputando de igual para igual. Destaque para o talento e a técnica do músico Chiquinho, baterista que encantava e causava admiração a todos que o viam tocar. Foi na época considerado o melhor baterista da cidade.
CURIOSIDADES
O Octávio na época trabalhava como balconista e saia tanto do serviço para dar entrevista nas emissoras de rádio sobre as atividades do conjunto que acabou sendo dispensado. Agora ele acha engraçado, mas trabalhava sob as orientações do conhecidíssimo farmacêutico Sr. Herculano, da Farmácia Raia. O Múcio também dava muitas entrevistas para o Rubens Brunetti, no programa que ele tinha na Rádio Cultura.
Segundo Múcio, “certo dia o Pedro Rodrigues alugou uma Kombi por conta do conjunto e convidou a família dos músicos para um baile em Santa Lúcia. Nossos familiares não acompanhavam nossos bailes. Essa iniciativa eu não vi em outros grupos que estive”. Na ocasião, Zé Luiz (guitarra) e Suzana, irmã do Carlinhos (cantor) começaram a namorar. O namoro acabou em casamento.
O primeiro baixo do Múcio foi feito por ele mesmo. A parte de madeira fez no Ginásio Industrial. Em seguida comprou os acessórios como tarraxas, captador, etc., e montou o instrumento. Muitos conjuntos faziam isso para conseguir seus instrumentos e aparelhagem. “Posteriormente ganhei de meus pais um baixo da marca JOG, que era simples mas pelo menos era de fábrica e com estojo”, completa Múcio.
Já Zé Luiz tinha muita facilidade com eletrônica e era ele quem cuidava dessa parte. Chegou a fazer um pedal para guitarra com distorção, coisa que na época era novidade.
Um detalhe lembrado por Múcio e Tavinho é que certa noite, por volta das 20h, o grupo se encontrou na Avenida Barroso com a Rua Carvalho Filho (Rua Zero), conversando sobre novas ideias para o conjunto. Quando perceberam era 5h da manhã. Chegaram em casa e levaram aquela bronca dos país que estavam desesperados.
Era de fato uma época de sonhos e que hoje cada um lembra com saudades das coisas que ficaram para trás
O Múcio com o Tavinho gostavam de sair colando cartazes de divulgação dos bailes nos postes de iluminação em nossas ruas. Houve um fato que prejudicou o conjunto. Em um baile na cidade de Matão, aconteceu um desentendimento por uma coisa tão simples, que era a escolha da música com a qual o conjunto iria encerrar o baile. A música seria “Para Pedro” defendida pelo Mugão ou “Pata Pata” que era a preferência dos músicos? “Bem, por causa de uma coisa tão boba acabamos perdendo o nosso querido empresário Mugão, que juntamente com o seu filho Muguinho (guitarra) foram empresariar o conjunto The Jungles. Foram muito bem sucedidos. Grande conjunto e grandes empresários.”
O grupo seguiu sua trajetória, com dificuldades, mas conseguiu se refazer e continuar por um bom tempo, Mugão e Muguinho fizeram falta. Quem passou a vender o grupo foram o Tavinho e o Betão. Mas como tudo tem um ciclo na vida, o ciclo dos The Mug Boys acabou se fechando. Tavinho foi fazer faculdade de Educação Física em São Carlos. O Beto foi tocar n’Os Profetas, NC Son, Embalo 4, Grupo Impacto e finalmente, Os Bruxos. O Airton continuou trabalhando na Faculdade de Odontologia da Unesp. O demais músicos estão em locais ignorados.
Pesquisa e Texto: Juraci Brandão de Paula