Gabriela, uma menina de sorriso tranquilo e doce como um som de flauta, formou-se em Regência Orquestral pelo Instituto de Artes da Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Campus Barra Funda em São Paulo.
Há dois anos morando em Berlim, onde atua como violinista, solista, regente e faz mestrado em musicologia pela Universidade de Humboldt, diz que seu sonho desde a adolescência foi residir na Alemanha e se preparou para tal estudando a língua. Ela conta que em sua universidade há muitos estudantes internacionais, oriundos de países de diversos continentes, como Sérvia, Rússia, Finlândia, China, Colômbia e até mesmo brasileiros.
Gabriela diz que estudar música fora do país sempre foi um desejo de alma: “desde os meus 11 anos já tinha em mente morar em outro país e, a partir dos 16 anos, fui estudar alemão por conta da música de Bach, pois já havia resolvido que um dia iria morar em Berlim. Foram 9 anos de paciência e de estudo para chegar aonde queria”.
A regente diz que adora viver na Alemanha: “além de se ter segurança, por ser um país com baixa criminalidade, há a liberdade de pensamento e cultura, principalmente em Berlim, que é uma cidade multicultural, onde todos os dias escuto diversas línguas e onde se vive com muita tolerância e respeito. Casa é onde nos sentimos bem e eu me sinto bem em Berlim. Sinto-me bem no Brasil também e sou grata a tudo que vivi aqui, à família, aos amigos e a todos os professores que tive. Estou feliz por estar aqui visitando minha família, mas sinto que minha casa é lá”. Ela afirma também que voltará ao Brasil somente para tocar, reger e realizar projetos de música, para residir não mais. Ela esteve em visita na cidade e partiu novamente para a Alemanha no dia 24 de agosto. Gabriela é também fundadora e produtora do programa Clássicos da Rádio Uniara FM, com apresentação de Maria Cristina van Dijk Corbi, sua mãe.
A REGENTE COMEÇA
Em dezembro deste ano, Gabriela estreia como regente em Berlim (no Brasil e em outros países já havia regido antes), em um concerto no qual regerá a Jugendkammerorchester Berlim (Orquestra Jovem de Câmara), para a execução de obras orquestrais brasileiras dos compositores Antonio Carlos Gomes (1836-1896) e Ernst Mahle (1929-). O convite para o concerto partiu de Till Schwabenbauer, regente titular desta orquestra e da JugendKammerEnsemble (Ensemble Jovem de Camara) da Escola de Música Schostakowitsch, duas das três orquestras com as quais Gabriela realiza projetos na capital alemã.
Com a die kleine Barockband, uma orquestra de câmara barroca, fundada e dirigida pelo oboísta Mathias Haase em parceria com a Escola de Música Leo-Kestenberg em Berlim, Gabriela tem realizado atividades de violinista spalla e solista, com o diferencial de que esta orquestra toca sem um regente à sua frente, à maneira barroca, com as funções deste sendo executadas em conjunto pelo spalla, cravista e demais membros da orquestra.
Gabriela explica que em Berlim cada bairro possui sua própria escola pública de música, com vários conjuntos e orquestras jovens e amadoras de muita qualidade. A Alemanha, país de pilares da música como Bach, Beethoven e Brahms, é um país de tradição musical, onde muito se investe em cultura e educação, “em uma mesma orquestra você encontra médicos, engenheiros, jardineiros, pessoas de todas as profissões fazendo música com a mesma seriedade dos profissionais da área, uma vez que a música acompanha a educação desde a infância”.
A HISTÓRIA
Passeando pela “cultura da lembrança”, com forte presença na Alemanha com o intuito de manterem-se vivas as memórias da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, a Maestro nos conta sobre o projeto de teatro com música Mädchenorchester, realizado pela companhia teatral berlinense spreeagenten em parceria com a JugendkammerEnsemble, recontando a história da Orquestra Mulheres de Auschwitz –a única orquestra formada exclusivamente por mulheres prisioneiras em todo o território nazista – por meio de relatos de diversas testemunhas oculares que tocaram na orquestra ou presenciaram sua história. “Nos campos de concentração havia uma competição entre os comandantes para ver quem teria o melhor conjunto de música. Era um trabalho musical forçado, que infelizmente contribuía para a estrutura nazista de manipulação e assassinato em massa”. A orquestra de Mulheres de Auschwitz tinha diversas funções, como tocar marchas diariamente para a saída e chegada das prisioneiras que executavam trabalhos pesados fora do campo e tocar nos blocos de hospitais dentro do campo.
TRISTEZA
Este trabalho tinha o duplo intuito de prover música de conversação para os médicos nazistas durante as longas horas de seleção de pacientes para a câmara de gás e abafar os gritos de desespero destas pacientes. Esta orquestra de mulheres, que deveria estar à disposição de qualquer requerimento de um oficial nazista 24 horas por dia também realizava concertos semanais, aos domingos, na Sauna, o bloco onde ocorria o processo de “iniciação” ao campo, por meio do qual os judeus recém-chegados tinham suas roupas tomadas, seus cabelos raspados e números tatuados em seus braços.
A Orquestra de Mulheres de Auschwitz salvou a vida de muitas pessoas, chegando a contar com 50 integrantes, que às vezes tinham alguma regalia como banhos diários e porções extra de sopa ou pão. Foi dissipada no dia 1º de novembro de 1944, quando no desmanche do campo e das evidências das câmaras de gás e crematórios, começou a ser realizado ao fim da guerra.
Dentre as musicistas, as não judias permaneceram em Auschwitz, sendo posteriormente condenadas à chamada Marcha da Morte em janeiro de 1945, e as judias foram transferidas para Bergen-Belsen, outro campo de concentração. Na peça de teatro, Gabriela realiza um duplo papel com a atriz Sonja Kessner, para a representação da regente da orquestra, a proeminente violinista Alma Rosé (1906-1944), sobrinha do compositor Gustav Mahler e filha de Arnold Rosé, que foi violinista spalla da Orquestra da Ópera Estatal e da Filarmônica de Viena por 50 anos.