Quando em Interlagos naquele dia cheguei, meu mundo transformou-se em sonhos, eu me beliscava, abria e fechava meus olhos para ter certeza que eu estava ali, olhava para o autódromo e só enxergava um templo sagrado de dimensões continentais, com imagens, instalações, fotografias e uma acústica emocionante de ouvido absoluto que pelas entranhas da minha alma se alojaram em definitivo. Tudo maravilhoso.
Então, vi Salvatore Amato de muito pertinho fiquei um tanto estupefato, mistura de perplexidade e admiração. Aquele senhor da capital, que eu de nome tanto conhecia, tinha o rosto com a forma de um índio guerreiro, os cabelos já grisalhos como de meu pai e o corpo com pequeno sobrepeso de Eduardo Luzia, araraquarense radicado em São Paulo e de prestígio similar no meio do motociclismo nacional. Amato, de aproximados 1,70 metro de altura, de macacão preto e capacete nas mãos, era naquele instante inquieto, conversava e gesticulava com sotaque “italianado”, e para sua equipe descrevia com tamanha desenvoltura a performance de sua motocicleta, falando de virtudes e defeitos, vantagens e desvantagens, aproveitamento e desempenho de trechos alternados, que eu fiquei ali imobilizado.
O que eu mais queria na minha vida, naquele momento, era isso mesmo, estar ali. Não enxergava nada do mundo exterior, não tinha saudades de ninguém, não me lembrava de mais ninguém, apenas queria ouvir, aprender, observar seus trejeitos para no futuro também imitá-lo. Ele, naquele fim de semana, competia com uma Ducati, prateada, 900 cc, 2 cilindros em L, um verdadeiro foguete, marca que eu tanto conhecia, pois também tinha uma, ainda que com “somente” 250 cc, mas que embasava meu aprendizado.
A Ducati é uma motocicleta única, tem o som diferente, a batida do motor descompassado que aparentemente parece desregulada, um bam, bambam, bambambam, bam, som que só arredonda quando o conta giro cruza os 4.000 RPM, enlouquecendo quem estiver por perto.
Nas suas mãos aquele canhão parecia domesticado. Ele abria o acelerador, e no tempo certo, colocava as marchas com tamanha precisão, que o som emitido tomava o autódromo como se um avião andando no asfalto e estivesse prestes a decolar; e eu ali, abismado, vendo aquele piloto diferente que guiava à moda antiga, com a moto nas mãos presa com braços, pernas e talento absoluto. O estilo era do supercampeão Giácomo Agostini, a tocada serena que aos meus olhos tinha um pouco dos meus ídolos Eduardo Luzia e Olímpio Bernardes Ferreira Neto, ou quem sabe, os dois, mais jovens, é que tinham um pouco cada um daquele gênio já cinquentão.
MOTORES ESPECIAIS
Amato foi um preparador de motores muito especial de motocicletas e de carros também e era muito representativo para o Moto Clube Araraquara. Em princípio, só nossa equipe é que o adorava, com o tempo, quando ele também percebeu o tamanho talento no desenvolvimento de motores que aqui existia em José da Penha Moreira, Adolpho Tedeschi Neto, Dario Pires e Zé Faito, foi também oferecendo reciprocidade em conhecimentos técnicos, tornando-se íntimo de situações que o tempo foi oferecendo. Como piloto, foi de Eduardo Luzia, Victorinho Barbúgli, Olímpio Bernardes Ferreira Neto e Evaldo Salerno um ferrenho competidor.
A corrida foi se desenvolvendo e acho que ele venceu, o que para mim não fazia diferença nenhuma; vencendo ou não, eu é que me sentia ganhador, vivendo um dia para sempre, um dia que na minha memória teve sol brilhante, céu de brigadeiro, temperatura amena, abraços, gritos, euforia, risos e sonhos. Sem qualquer surpresa, terminou como Campeão Paulista na categoria esporte livre da temporada.
Velhos Tempos… Belos Dias…
**Texto original de Benedito Salvador Carlos (Benê), em crônica especial para o RCIA; Benê, é sem dúvida um dos maiores historiadores do motociclismo brasileiro em todos os tempos.