Há mais de 40 anos foi instituída a Política Nacional do Meio Ambiente, que exige que as atividades potencialmente poluidoras devem ter licenciamento ambiental. Contudo, até o momento, não há uma Lei de Licenciamento Ambiental que estabeleça regras claras para obtenção desse documento. Com isso, há segurança jurídica para as empresas, empreendedores e produtores rurais, assim como para os servidores públicos que não tem respaldo jurídico para aprovar ou não o licenciamento. Essa foi uma das conclusões trazidas pelos especialistas do primeiro painel do Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio (CBDA), nesta quarta (06), com transmissão online e gratuita, por meio do Canal do Youtube do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).
“O Projeto de Lei que está no Senado precisa ser votado para segurança jurídica, econômica e ambiental. Quando não se tem uma regra clara, há o estímulo da clandestinidade, ou seja, prevalece quem pode causar danos para o meio ambiente”, afirmou Samanta Pineda, professora da Fundação Getulio Vargas e advogada especialista em Direito Ambiental. “O Brasil possui um meio ambiente para resguardar, uma riqueza bioambiental, que precisa de regras de uso. Desse modo, quanto mais clara e simples forem essas regras, com a aplicação de tecnologia, mais chance de sucesso de eficiência na proteção do meio ambiente.”
Para João Adrien Fernandes, produtor rural e ex-Diretor de Regularização Ambiental no Serviço Florestal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em muitas situações, há a duplicidade de exigências de compliance de adequações que tratam da mesma temática, gerando burocracia, insegurança jurídica, a percepção de que o licenciamento ambiental está ultrapassado e insatisfação dos produtores rurais. A seu ver, as legislações atualizadas permitem que haja o compliance ambiental. “O Código Florestal é consenso entre ambientalistas e produtores rurais, que estão engajados a sua adesão. Precisamos desse consenso em outras legislações rurais”.
Ele comentou durante o Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio que as ferramentas tecnológicas possibilitaram o avanço do Cadastro Ambiental Rural (CAR), com 6,4 milhões de imóveis rurais cadastrados, perfazendo 650 milhões de hectares. Um dos módulos possibilitam uma análise dinamizada do CAR, por meio do sensoriamento remoto. Outro módulo se trata da regularização ambiental. “A rastreabilidade cresceu enormemente nos últimos anos, principalmente, para uma barreira protecionista não tarifária. Mas, temos o CAR, que se bem trabalhado, qualificando a informação, é o melhor instrumento de rastreabilidade do mundo. É uma ferramenta pública de rastreabilidade que não exige certificação privada”, explicou Fernandes, que pontuou que 98% das propriedades rurais cadastradas do CAR não tem nenhuma questão ligada ao desmatamento.
Mediado por Nilson Leitão, presidente do Conselho de Administração do Instituto Pensar Agropecuária, o painel Licenciamento e Compliance Ambiental contou com a participação de Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone, que afirmou que o produtor rural vai precisar de um passaporte verde para comercializar seus produtos no território nacional e no exterior, sem cobranças.
“Se não tiver o CAR como esse instrumento de informação e rastreabilidade, vamos cair em diversas certificações privadas. Daí, é um salve-se quem puder”, asseverou. Para ele, o que mancha o agro brasileiro é o desmatamento ilegal. “É um problema de Estado, mas é o setor quem paga essa conta. Se tivéssemos a capacidade de separar o legal do ilegal, chegaríamos na mesa de negociação, e mostraríamos quais áreas estão desmatadas e em quais setores”.
Nesse sentido, Pineda trouxe pontos a serem trabalhados para melhorar a comunicação do agro no exterior: consolidação e dados oficiais; fortalecimento e união das instituições; estar presente nos países com planos de longo prazo para produção e preservação; e verticalizar a informação.
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
A regularização fundiária tem que ser entendida como um conjunto de medidas sociais, legais e ambientais, que garantem o meio ambiente equilibrado, o dever de a propriedade gerar frutos e o direito de viver e de defender sua terra. Essa foi a definição trazida por Janaína Vargas, sócia do Mattos Filho Advogados, durante o Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio.
Um dos maiores gargalos atuais está na falta de uma base segura de dados. “É muito comum haver uma divergência das informações entre os registros de imóveis, Receita Federal e INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Então, para que se tenha um ambiente jurídico seguro, é preciso começar com a criação de uma base de dados conjunta”, ponderou Vargas, que acrescentou que a estabilidade jurídica cadastral e a estabilidade na delimitação da terra garantem que a propriedade está conforme o seu registro, o que resulta em uma maior atratividade financeira e de investimentos para o imóvel.
No segundo painel Regularização Fundiária, moderado por Francisco de Godoy Bueno, membro do Conselho Acadêmico do IBDA, Marcelo Honorato, juiz Federal Titular da 1ª. Vara Federal de Marabá (PA), lembrou que a regularização fundiária é um direito humano por estar relacionado à propriedade privada. Em sua análise, a formalização da ocupação é o início do programa de controle ambiental efetivo, ou seja, a regularização fundiária é a porta de entrada da regularização ambiental. “A regularização fundiária ainda promove a produtividade de terras devolutas que são da Nação e não do Estado”, disse. Para ele, não se pode fazer regularização fundiária como era feito no passado.
Ele abordou ainda sobre o panorama econômico difícil na Amazônia, com grandes projetos ocorrendo ao lado da miséria. A seu ver, existe a dificuldade de se ter desenvolvimento econômico pelo distanciamento do sistema financeiro. A Amazônia possui diversas áreas agricultáveis que estão, hoje, bloqueadas. Segundo ele, são quase cem anos de omissão do Estado, pois desde a migração de pessoas por uma ação estatal, elas estão esquecidas e levará ainda aproximadamente 50 anos para a regularização fundiária.
Anaximandro Almeida, diretor de Programa do INCRA, disse durante o Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio que a regularização fundiária é uma forma complementar à reforma agrária e é preciso regularizar, pois quando se coloca um CPF na propriedade, imputa-se responsabilidade. Ele passa por legislação ambiental, por direitos relacionados ao crédito, sendo inserido na cadeia produtiva e ganhando autonomia e desenvolvimento.
Outro ponto trazido foi o fato de que quando se fala de regularização fundiária da Amazônia Legal, há o entendimento de que se trata de toda a Amazônia, o que é incorreto. Almeida explicou que a área da gleba pública federal passível de regularização representa apenas 4,9% da Amazônia Legal. O perfil de ocupação dessa área é formado por aproximadamente 90% de pequenas propriedades.
Almeida ainda explicou que o decreto 10.592, de 2020, foi desenhado para dar celeridade do processo de regularização fundiária, priorizando o uso de modernas tecnologias: geoprocessamento, sensoriamento remoto, entrega de documentos digitalizada e a construção de uma plataforma de governança territorial, a fim de agilizar o processo de titulação, a questão do batimento de dados dentro do próprio governo federal. “Foi uma ação necessária com a perda da validade da Medida Provisória 910/2019, que tratava da regularização fundiária de ocupações em terras da União”.
ABERTURA
Na abertura do Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio, Renato Buranello, presidente do IBDA, comentou sobre o cenário atual reforçar a tendência de bons preços para os produtos e subprodutos das cadeias agroindustriais, mas traz incertezas quanto ao abastecimento de fertilizantes. “Esse contexto reafirma a importância da integração dos agentes econômicos destas cadeias de produção: o funcionamento dos contratos e a alocação de riscos, os novos instrumentos de financiamento e programas de seguro para o custeio equilibrado das próximas safras”.
Ele disse ainda que o trinômio ESG contribui para buscar eficiência, melhor resultado, com respeito às normas de proteção ao meio ambiente e ganhos à coletividade, visando à consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura. Em seu pronunciamento, Buranello ressaltou também que o entendimento sobre a importância geopolítica do Brasil na produção de alimentos, fibras e bioenergia e a relação com as instituições e poderes constituídos, afastará a assimetria de informação, na efetividade do mais adequado regime jurídico do agronegócio.
Na sequência, o ex-Ministro Roberto Rodrigues, coordenador da FGV Agro; reforçou a importância de se ter paz no debate de ideias e o equilíbrio do comportamento da área do direito. Ele falou que a segurança jurídica é fundamental para a garantia do retorno dos investimentos.
Para o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, quando não há segurança jurídica, se faz muito pouco. ““Investimento requer previsibilidade e a sustentabilidade nos dá uma visão de futuro e longevidade”, disse. “A agricultura como um negócio requer planejamento, investimento previsibilidade e comprometimento. O agro é o ponto de salvação da economia e tem garantido o desenvolvimento de nosso país”, acrescentou. Ele ainda comentou sobre a importância de se continuar criando instrumentos de garantia para serem utilizados de maneira desburocratizada.
Já o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ricardo Villa Bôas Cueva, apontou como desafios para o agronegócio a questão ambiental, uma vez que os Estados Unidos devem incluir uma nova regra que pode afetar os investimentos realizados no país, que precisarão ter uma abertura completa e ampla dos impactos ambientais. Outro desafio citado foi o foco concorrencial efetiva e no estímulo à participação de novos entrantes de mercado, de inovação tecnológica, que podem ter um impacto prático direto na forma como as cadeias produtivas se organizam.
O ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas elencou as ações realizadas pela pasta para melhorar a infraestrutura de transporte e logística no país, beneficiando o escoamento e movimentação da safra nacional. Foram 84 leilões bem-sucedidos com mais de R$ 100 bilhões contratados. A seu ver, o mundo está vivendo uma transição de uma economia marrom para a economia verde e que os países democráticos, com ambiente de negócios saudáveis, receberão os investimentos e estarão aptos para entrar nas novas cadeias globais.
Também fizeram pronunciamentos no Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio, o deputado federal Pedro Lupion que falou sobre a importância de se adequar a legislação para dar mais destaque ao agronegócio em nível global; Luiz Carlos Corrêa Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), que ressaltou a relevância de se ter regras e leis que gerem confiança, que é o motor do investimento; de Teresa Cristina Vendramini, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB); que comentou sobre os temas do CBDA 2022; de Márcio Lopes de Freitas, presidente do Sistema OCB; que lembrou que a confiança jurídica traz esperança para a realização das atividades; e de Ana Frazão, professora doutora da Universidade de Brasília (UnB), que avaliou que falar em segurança jurídica em um mundo em constante transformação e repleto de incertezas será preciso um alto grau de coordenação entre os países.