Luto no automobilismo brasileiro. Neste domingo (1°), morreu o ex-piloto Bird Clemente aos 85 anos. A causa da morte foi em decorrência de uma infecção e a informação foi confirmada pela Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA).
Clemente está marcado na história como o primeiro piloto profissional do automobilismo brasileiro. Ele estreou em 1957, aos 21 anos, na disputa das 1000 Milhas Brasileiras. Algum tempo depois ele participaria das chamadas provas em circuito de rua, algumas aqui em Araraquara.
Recentemente, uma revista internacional realizou uma pesquisa sobre os 50 melhores pilotos do mundo que nunca passaram pela Fórmula 1, e dois nomes brasileiros foram escolhidos, Gil di Ferram (campeão da Formula Indy) e Bird Clemente.
Concessionários da Willys Overland do Brasil em Araraquara, os Irmãos Barbugli, puderam contar com Bird Clemente como integrante da equipe Willys de competição juntamente com Luiz Pereira Bueno, Wilsinho Fittipaldi, Carol Figueiredo, Chico Lameirão, José Carlos Pacce. Mais tarde, veio o caçula Emerson Fittipaldi, que havia obtido sua carta de habilitação para dirigir. Naquele período, destes sete pilotos de corridas de autódromos e circuitos de rua, cinco foram para a Europa e três disputaram campeonatos mundiais.
Respeitado pelos demais pilotos, Bird nunca demonstrou nenhum arrependimento em ter feito naquele momento a escolha de ficar no Brasil e ajudar o pai, industrial no ramo de artefatos de papel.
Assim, foi o primeiro piloto a receber salário para correr, dando início a profissionalização do automobilismo, pois naquela época existia uma acirrada disputa das fábricas de automóveis no Brasil. Os pilotos apaixonados por corridas se contentavam em serem agraciados com um carro para correr, sem nenhuma outra forma de remuneração.
Com o surgimento da fábrica Vemag – Veículos e Máquinas Agrícolas S.A., que teve seu auge no final dos anos 50 e início de 60, o Brasil passou a produzir sob licença os veículos da fábrica alemã DKV (integrante da Auto Union, atualmente Audi).
Os modelos produzidos pela Vemag no Brasil, com mecânica DKW, foram o sedã Belcar, a camioneta Vemaguet e suas derivadas “populares”, a Caiçara e a Pracinha, o jipe Candango e o cupê Fissore, totalizando pouco mais de 115.000 unidades ao longo de onze anos. Bird explicava nas suas conversas que a Vemag começou a produzir os DKW no Brasil em 1956, surgindo também a 1ª Edição das Mil Milhas Brasileiras.
A indústria de autopeças no Brasil proporcionava sustentabilidade para tudo aquilo que estava acontecendo na época. Com isso a diretoria da empresa não demorou para perceber que existia forte atração dos brasileiros em dar preferência para aquisição da marca DKW, sendo suas vendas alavancadas por conta do sucesso nas pistas.
A Vemag tinha um bom motivo para fazer propaganda dos veículos da sua marca através das corridas nos autódromos e circuitos de rua, pois o objetivo era indicar semelhanças dos carros de corridas com os carros de uso pessoal.
Bird contou um dia ao RCIA que não pensou duas vezes em pedir para o diretor da fábrica Leszk Billy um carro para andar nas ruas fora dos circuitos das corridas, uma espécie de propaganda ambulante para divulgação da marca.
Dez dias depois Bird Clemente e seu companheiro de corrida Mário César Camargo Filho (Marinho), foram chamados para receber no almoço festivo da fábrica Vemag um carro da frota, para cada um dos pilotos com todas as características mecânicas dos carros das pistas, para ser utilizado também nas ruas.
Os carros foram personalizados e naquele momento, além dos pilotos extasiados de alegria por serem reconhecidos, a estratégia do marketing estava estabelecida para ser divulgada nas emissoras das rádios e dos grandes jornais, sendo a primeira fábrica que usou corrida de automóvel com o objetivo de promover vendas.
Miguel Crispim considerado o “Dr. DKW”, mecânico e encarregado do Departamento de Competição da equipe Vemag revelou que estes carros destinados aos pilotos, tinham todas as características mecânicas dos carros das pistas, sendo um aproveitamento de testes de resistência para as ruas, caracterizando perfeita forma do controle de qualidade da marca.
O processo de avaliação do desempenho do carro em uma corrida, equivalia a 3 meses de análise. Na corrida das Mil Milhas de Interlagos em 1966 foram utilizados 80 pneus, dois mil litros de combustível para alimentar cinco carros de corrida.
Com um estilo arrojado, Bird pilotava os carros e andava de lado nas pistas, quando em retas que antecipavam as curvas dos autódromos, pois a mesma manobra se aplicaria nos circuitos de rua que exigiam mecanicamente muito mais dos carros.
Havia no piloto a cautela para não colidir com as guias, os postes e o público, levando-se em conta que os recursos de segurança eram precários. Um exemplo, era o circuito de Curitiba-PR, onde os pilotos travavam os duelos em ruas de paralelepípedos, com chuva e trilhos de bondes, e dirigir, seria na raça e puro talento.
Bird era considerado o mestre em andar de lado, superando sua magnitude ao pilotar da mesma forma uma Kombi, tendo a arte do domínio sobre a máquina nas corridas, pela inexistência da tecnologia não havendo nenhum vínculo de comunicação dos pilotos com o box, porém fazendo do piloto e o carro um casamento perfeito do homem com a máquina.
EM ARARAQUARA
Nos anos de 1962 e 1963, como parte das comemorações de inauguração da Avenida Bento de Abreu, o prefeito Benedito de Oliveira e o vereador Mário Ananias, organizaram duas provas de automóveis na cidade, em datas próximas ao aniversário de Araraquara.
Em 19 de agosto de 1962, o I Circuito Araraquara de Automobilismo, teve uma pista de corrida improvisada na Bento de Abreu, com a saída se dando no Balão do Soldado Desconhecido, adentrando a Avenida 36, retornando pelo mesmo trajeto. Durante dois anos Araraquara esteve incluída no calendário das glamorosas competições automobilisticas do cenário nacional. Foi uma grande festa!
Bird Clemente competiu no Grupo III com seu DKW Vemag, 981 cc, com o número 10, ficando com a segunda colocação e no meio dos pilotos, Mário César de Camargo Filho (Marinho), o imbatível piloto das DKWs número 12, correu contra Wilson Fittipaldi e outros grandes nomes da época, e venceu todos.
Marinho correu com o DKW de fábrica, carregando o nome da cidade na carroceria e propaganda da concessionária DKW local, do empresário Mário Darezo. O evento foi um sucesso, tanto que no ano seguinte a dose foi repetida com o II Circuito Araraquara de Automobilismo no mesmo local, em uma corrida realizada em 25 de agosto 1963.
Marinho foi novamente o grande destaque naquela oportunidade, e Bird sempre reconheceu o talento do seu companheiro de equipe nos circuitos de rua destinando honras pela sua genialidade.
Bird Clemente deixa a viúva Maria Luiza e quatro filhos; uma é de casamento anterior com Marise, irmã de Ciro Cayres.
Escrito por Giovani Peroni; colaboradores: Domingos Carneseca Neto (Historiador) e Miguel Crispim (Encarregado Mecânico da Equipe DKW Vemag/Competição)