Em todo processo de maturação sobre um tema de forte impacto para a sociedade deve-se fomentar o debate qualificado de forma ampla e aberta. Algo a ser feito por todos os atores envolvidos na temática pretendida alcançar. Não se pode achar que um único indivíduo estará com a melhor percepção dos fatos entre todas as interpretações possíveis. Quem acha que tudo sabe sempre erra em tudo porque nunca ouve ninguém.
A discussão, registra os bens sucedidos exemplos históricos, é fundamental ao fortalecimento das democracias. No caso do projeto denominado “Pacote Anticrime”, proposto pelo governo federal, não se está diante de discussão limitada ao ministro da Justiça e tampouco de forma isolada à Advocacia, à Magistratura ou ao Ministério Público. Todos os integrantes do sistema de Justiça, que todos os dias trabalharão com as questões afetas aos temas do referido projeto, devem ser ouvidos.
Foi nesse contexto que a Advocacia paulista trabalhou para oferecer à sociedade e ao Congresso Nacional a sua leitura do indicado projeto. Fizemos isso porque acreditamos vivamente no aperfeiçoamento das discussões por meio dos grandes debates. Na Audiência Pública realizada pela OAB São Paulo, que materializou discussões de toda a sociedade que lá participou, tivemos a oportunidade de colher informações, subsídios e posições para a posterior apreciação pelo Conselho Secional. Assim é que, em cumprimento ao seu papel de defesa da Constituição e da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, a Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil emitiu enunciados por meio dos quais encaminhou aos integrantes do Poder Legislativo Federal o seu pensamento sobre a proposta do governo federal alusiva ao “Pacote Anticrime”.
Nos enunciados a que deu origem, a Secional registrou que não considera as propostas do dito “Pacote Anticrime” como um projeto verdadeiramente de Segurança Pública, mas apenas como um veículo de alteração legislativa penal e processual penal, com foco equivocado no recrudescimento da legislação e na proposição de maior encarceramento.
Se o que queremos é a busca de melhorias no âmbito da segurança pública, nós precisamos entender e compreender adequadamente qual é o papel do Estado e quais são as ações efetivas que dele se espera, aspectos que este projeto não tocou. O aparelhamento adequado e a melhor remuneração das forças públicas e a busca de educação de forma mais eficaz devem fazer parte de uma visão mais responsável para a convivência de todos. Infelizmente são questões que passaram ao largo de um pacote que pretendeu discutir segurança pública, que partiu apenas e tão somente da premissa do endurecimento da legislação penal. Veja-se que, no mundo inteiro, é consenso que a legislação penal mais severa, por si só, não soluciona a questão da segurança pública na sociedade contemporânea.
São vários os pontos que merecem reavaliação e aprofundamento dos debates. Talvez aquele que tenha dado mais discussão, é o que envolve uma tentativa de dar uma roupagem diferente à legítima defesa quando do exercício das atividades pelos integrantes das forças públicas. Nós não podemos desconhecer a força do Estado. O Judiciário é o Poder destinado para analisar a situação concreta, se houve ou não excessos. O Estado não pode tudo, por isso suas ações encontram limite na lei e não no subjetivismo de cada um dos seus agentes. É absolutamente perigoso o estabelecimento de regras que dão ênfase exclusivamente ao ponto de vista dos agentes estatais, porque elas certamente dificultarão ao Poder Judiciário a punição dos excessos.
Incomoda-nos a preocupação de algumas autoridades em querer afastar uma lei que proíbe e que combate e pune o abuso. A autoridade consciente quanto à sua função e ao seu dever não tem medo de qualquer legislação que coíbe o abuso, porque sabe estar exercendo o seu papel sem qualquer açodamento ou atropelo, cumprindo, portanto, abalizadamente as metas traçadas pela sua consciência e nos limites adequados impostos pela lei.
Por isso, nós sempre reiteramos que a OAB SP defenderá o cumprimento da lei. Quem se desvia dos caminhos da lei deve merecer a punição nela estabelecida, mas é preciso discutir com a sociedade brasileira qual é a lei que queremos. E a lei que queremos não pode estar na vontade de um único indivíduo. Afinal de contas, o debate qualificado e transparente sempre foi a pedra de toque para a origem de regras mais adequadas.
*Caio Augusto Silva dos Santos é presidente da OAB SP