Aos 29 anos, um vendedor de seguros do interior de Goiás fez uma pergunta que mudou a história do país. Em 1955, durante um 4 de abril chuvoso, Antônio Soares Neto indagou ao então candidato à presidência Juscelino Kubitschek se, uma vez eleito, cumpriria a Constituição e mudaria a capital do Rio de Janeiro para o Planalto Central.
Graças ao gesto, JK começou a planejar e, mais tarde, construiu a nova capital. E, a partir de então, Toniquinho, como era conhecido o vendedor de seguros, ganhou o apelido de Pai de Brasília. Agora, a capital se torna órfã. Antônio Neto morreu na manhã desta quinta-feira (21/11), após uma parada cardiorrespiratória, aos 94 anos, completados em outubro passado. Ele deixa cinco filhos, 11 netos e dois bisnetos.
O famoso comício parecia, a princípio, fadado ao fracasso. Uma chuva forte dispersou a multidão que se reunia na praça pública de Jataí, transferindo o evento para uma concessionária de veículos. Um caminhão serviu de palanque improvisado, e o discurso preparado por Juscelino virou uma conversa com o pequeno público presente.
“E nisso, o seu Toniquinho, que estava estudando a Constituição porque queria fazer concurso, sentiu um calor no corpo e levantou o braço. JK disse ‘pois não, senhor?’. E ele fez a pergunta”, conta o jornalista e documentarista Edson Luiz de Almeida, diretor do filme A pergunta que mudou a história do Brasil. “Eu ouvi essa história dele dezenas de vezes. Sempre contada do mesmo jeito. E ouvi isso de outras testemunhas também”, completa.
COM A PALAVRA JK
Se há quem duvide se a provocação de Toniquinho realmente mudou o curso da história, é bom ouvir o que disse o próprio JK. “Confesso que, até aquela altura, eu não havia pensado nesse assunto, mas quando Toniquinho me colocou o problema, pensei subitamente. Dei um ou dois segundos de espera e disse: ‘Se a Constituição exige a construção da nova capital, vou respeitá-la e construirei a nova capital do Brasil no Planalto Central'”, disse JK em documentário produzido pela Secretaria do Território e Habitação do DF.
Àquela altura, o projeto de metas do candidato continha 30 itens e estava pronto. Nenhum deles fazia referência à construção de uma nova capital. Brasília não se tornou a 31ª meta de governo, mas sim o cerne de toda a campanha de JK ao Planalto. “Os depoimentos de JK são claríssimos. Ele diz que não havia pensado no assunto até aquela pergunta. A importância do Toniquinho é fundamental para a história do Brasil”, defendeu Almeida.
A promessa se cumpriu cinco anos depois, em 21 de abril de 1960, quando os fogos de artifício encheram o céu para inaugurar a nova capital federal.
GENTIL E OUSADO
Mas, Toniquinho não foi apenas o homem que mudou os rumos da capital. Segundo conta Almeida, era uma das figuras “mais carismáticas” que já conheceu. “Era uma boa pessoa, gentil, generosa, ousada”, disse.
Ao longo dos anos, o vendedor de seguros estudou a Constituição Federal e se tornou advogado. Mudou-se para Brasília, e depois voltou a morar, com a esposa, em Goiás.
Para a esposa, Nelita Vilela, 82 anos, ainda muito abalada com a notícia, foi também um marido carinhoso, amigo, e companheiro. “Ele era uma pessoa humana e gostava de ajudar as pessoas menos favorecidas. Era muito humilde, inteligente. Foi um bom pai, avô, bisavô”, disse. Os dois completariam 64 anos de casados em dezembro.