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Agricultura paulista sente os primeiros efeitos das mudanças climáticas

Relatórios sobre mudanças climáticas alertavam para riscos que já começam a se confirmar nas lavouras paulistas, segundo boletim da Conab

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Sem medidas de adaptação eficazes, a produtividade de culturas como milho e soja pode ser reduzida em cerca de 30% até meados do século

A agricultura no Estado de São Paulo, tradicionalmente robusta e diversificada, tem enfrentado desafios crescentes devido às mudanças climáticas. Eventos extremos, como secas prolongadas e ondas de calor, têm impactado diretamente a produtividade das principais culturas do Estado.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) já alertava para esses riscos desde seu 5° Relatório de Avaliação, publicado em 2014. As projeções foram reforçadas no 6° Relatório de Avaliação, divulgado em 2022, que destacou a vulnerabilidade da agricultura na América do Sul frente ao aquecimento global e à variabilidade climática.

O 6° Relatório de Avaliação do IPCC destaca que, sem medidas de adaptação eficazes, a produtividade de culturas como milho e soja pode ser reduzida em cerca de 30% até meados do século. A produção de café arábica, sensível ao calor e à irregularidade hídrica, pode cair entre 11% e 13% até 2050, mesmo em cenários moderados de aquecimento. Por outro lado, a cana-de-açúcar, por ser uma cultura de ciclo C4 (mais eficiente em temperaturas elevadas), pode ter um aumento estimado de até 6% na produtividade, embora os benefícios sejam limitados por estresses hídricos e pragas favorecidas pelo calor.

Essas projeções, que soavam distantes em relatórios científicos, começaram a se materializar de forma clara em 2024. O Brasil registrou o ano mais quente desde 1961, com uma média de temperatura de 25,02 °C, superando em 0,79 °C a média histórica entre 1991 e 2020. Esse aumento térmico teve impactos significativos na agricultura, especialmente em São Paulo. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em seu boletim de abril deste ano, a safra 2024/25 apresentou condições favoráveis em algumas regiões, mas também enfrentou desafios severos provocados pela irregularidade das chuvas e pelas altas temperaturas, o que afetou diretamente o desenvolvimento de culturas como a soja e o milho, justamente as que já vinham sendo apontadas como vulneráveis nos relatórios do IPCC.

Marcelo Marini Pereira de Souza

O professor Marcelo Marini Pereira de Souza, do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, ressalta que nenhuma cultura está isenta de riscos. “Não posso dizer que o aumento de temperatura prejudica as produções de café, o que impacta são as mudanças climáticas, como chuvas mais intensas e frequentes, secas maiores e ventos que causam descontrole.”

Ele também alerta para os impactos climáticos além da agricultura. “As pessoas que moram no litoral terão inundações em suas regiões, porque o nível dos oceanos irá subir. Já a população de seres vivos se adapta em uma escala geológica e essas mudanças estão sendo muito mais rápidas. Existem estudos que mostram que muitos animais e plantas não terão capacidade de adaptação, portanto, acabam sofrendo uma enorme perda de biodiversidade e extinção de espécies.”

Paula Packer

A chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Paula Packer, destaca a importância do zoneamento agrícola de risco climático, aliando-o ao uso de cultivares adaptadas, ou seja, cultivar variedades de plantas que são especialmente desenvolvidas ou escolhidas para prosperar em condições ambientais específicas, e técnicas de integração lavoura-pecuária-floresta. “Se conseguirmos implementar planos no nível global de mitigação, por meio da redução das emissões e adaptação às mudanças climáticas, pode ser que consigamos reverter este cenário. Temos muitos biomas e florestas, principalmente no Brasil, que precisam ser preservados.”

MEDIDAS PREVENTIVAS

Para enfrentar esses desafios, é essencial adotar práticas agrícolas sustentáveis e tecnologias adaptativas. O IPCC destaca a importância de combinações de ações no lado da oferta, como a produção eficiente, transporte e processamento, e com intervenções no lado da demanda, como modificação das escolhas alimentares e redução do desperdício de alimentos. Com isso, será possível reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar a resiliência do sistema alimentar. ​

Os relatórios também trazem a implementação de sistemas integrados de produção agropecuária e florestal, uso de variedades de culturas resistentes ao clima e a melhoria na gestão dos recursos hídricos. Essas estratégias são recomendadas para aumentar a resistência das produções com as mudanças climáticas.

Porém, Souza acredita que nenhuma dessas políticas de adaptação e mitigação vem sendo adotada no Brasil. “Não existe nenhuma política sendo adotada, ao contrário, existe política contra, derrubada de vegetação nativa e corte de árvores. É como se nada estivesse acontecendo, as cidades estão investindo cada vez mais em transportes individuais e há uma grande emissão de gases de efeito estufa.” Para ele, o cenário para 2050 é catastrófico, pois “a falta de redução desses gases acelera os efeitos entre os humanos, animais e vegetação”.