Os elevados estoques de etanol no centro-sul do Brasil podem levar usinas a postergar o início da próxima safra de cana na região, já que a falta de espaço para armazenamento limitaria as operações, de acordo com especialistas do setor, que apontam também questões climáticas como um fator importante.
A temporada 2019/20 no centro-sul, principal polo canavieiro do país, começa oficialmente em abril, e a expectativa é de que o segmento sucroenergético, assim como tem feito no ciclo vigente, mantenha o foco na fabricação de etanol, dada a melhor remuneração do biocombustível frente o açúcar.
Refletindo esse mix mais alcooleiro, as reservas de álcool detidas pelas unidades produtoras na região até 1º de fevereiro somavam cerca de 6 bilhões de litros, crescimento de 25 por cento na comparação anual, conforme dados do Ministério da Agricultura.
Do total, 2,4 bilhões de litros são de anidro e 3,6 bilhões, de hidratado.
O analista Matheus Costa, da INTL FCStone, avalia que se a demanda não for suficiente para desovar esses estoques na intensidade necessária, as usinas poderão lançar mão de algumas estratégias para lidar com o problema de tancagem.
“A grande questão é saber se haverá demanda para absorver esses excedentes. Caso não consigam tirar todos esses estoques, isso poderá levar a alguns pontos. Pode ser que as usinas optem por um mix mais açucareiro no começo da safra ou pode ser que optem por atrasar um pouco a safra, por postergar o início da colheita”, disse ele à Reuters.
Pelos dados mais recentes da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), a comercialização total de etanol por usinas do centro-sul vem girando em torno de 2,5 bilhões de litros ao mês. O volume considera tanto anidro quanto hidratado e as vendas nos mercados interno e externo.
POSTERGAÇÃO E MERCADO “MACHUCADO”
O CEO da Biosev, Juan José Blanchard, disse que a empresa está de olho na previsão de chuvas em fevereiro e março e aguardará abril para iniciar a colheita de cana, não antecipando os trabalhos como em outros anos.
“Acho que vamos esperar a recuperação do canavial para começar a moagem, esperar o canavial reagir a essas chuvas de fevereiro. Nosso plano está para abril, e a gente ainda tem produto pra vender”, comentou ele, referindo-se aos estoques da companhia.
Unidade da gigante Louis Dreyfus Company (LDC), a Biosev detinha estoques de 347 milhões de litros de álcool no fim de 2018, alta de 16,8 por cento na comparação anual, conforme balanço divulgado na terça-feira.
Já o diretor financeiro da São Martinho, Felipe Vicchiato, destacou em teleconferência com analistas e investidores nesta semana que a forte produção em 2018/19, além de elevar os estoques, “machucou” o mercado de etanol.
“O que a gente entende: produção foi muito forte, alguns players decidiram estocar, até mesmo originar etanol e elevar tancagem para esta estratégia de ‘carry’… Esses players que nunca operaram etanol decidiram vender, e machucaram o mercado”, comentou ele.
A São Martinho elevou em 7,6 por cento suas reservas de álcool até 31 de dezembro, a 440 milhões de litros, segundo os dados divulgados pela empresa na segunda-feira.
Mais tarde nesta sexta-feira, será a vez de a Cosan informar os dados de estoques da Raízen, maior grupo sucroenergético do mundo formado em joint venture com a Shell.
PREÇO BAIXO
O reflexo direto dos amplos estoques de etanol no centro-sul se dá sobre os preços do biocombustível.
Na semana passada, o indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, foi de 1,58 real por litro para o hidratado e de 1,6976 real para o anidro, quedas de 13,8 por cento e 12,8 por cento na comparação anual, respectivamente. Os valores referem-se ao produto sem impostos nas usinas de São Paulo, referência nacional.
No Estado, a paridade de cotações entre etanol e gasolina segue abaixo dos clássicos 70 por cento mesmo em um período de entressafra, quando a menor produção no centro-sul leva o preço do álcool a ultrapassar esse percentual a partir do qual a gasolina é considerada mais atrativa por sua eficiência energética maior.
Com ainda um mês e meio até a chegada da nova safra, a perspectiva é de que os estoques de etanol sigam elevados.
Segundo Costa, da INTL FCStone, é possível, inclusive, que os estoques de passagem da safra 2018/19 superem o recorde observado na virada de 2014/15, da ordem de 2,4 bilhões de litros.