O produtor rural brasileiro precisa de segurança jurídica no campo, não vai aceitar invasões de terra e, para resolver o impasse entre o agronegócio e o governo Lula (PT) é preciso diálogo, que deve partir do presidente.
As afirmações são da pecuarista e socióloga Teresa Vendramini, ex-presidente da centenária SRB (Sociedade Rural Brasileira) —foi a primeira mulher no cargo.
Ela integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o conselhão recriado por Lula, ao lado de outros nomes do agro como Rubens Ometto (Cosan), Sérgio Bortolozzo (presidente da SRB), Eraí Maggi Scheffer (Bom Futuro) e Márcio Lopes de Freitas (presidente da OCB).
“É inadmissível qualquer invasão de terra”, disse a pecuarista.
Teresa, que faz parte da terceira geração de uma família com mais de 80 anos dedicados à agropecuária em São Paulo e Mato Grosso do Sul, defende em entrevista à Folha investimentos na capacitação de pequenos produtores, que representam a maioria dos agricultores brasileiros, as regularizações fundiárias e que o governo olhe para a questão indígena.
“Que a gente caminhe num equacionamento com equilíbrio e justiça social para todos os lados”, disse.
A sra. é uma das representantes do agro no conselhão do presidente Lula, que vive um imbróglio com o setor. Como tem visto essa relação do governo com o agronegócio? Eu tive essa oportunidade de estar no Conselhão e, como sempre acredito no diálogo, é óbvio que eu queria estar ali. Minha preocupação foi passar para o presidente da República, o vice-presidente e praticamente todos os ministros os nossos desafios. Falei da nossa pauta número um do agronegócio brasileiro, que é nossa maior preocupação, segurança jurídica e direito à propriedade privada e livre iniciativa.
A polarização [política] está dificultando alguns outros desafios que nós temos que discutir. Um já está sendo muito falado e de alguma maneira caminhando dentro desse novo governo, que é a questão indígena. Outra pauta muito importante é a regularização fundiária, que continue a regularização fundiária, e ambiental também, são os grandes desafios do agronegócio. A gente tem muitos outros, como a necessidade de conectividade no Brasil, infraestrutura e logística. No Nortão do Brasil tem algumas estradas que passam 2.500 caminhões, e aquelas estradas com dificuldade. Nós estamos caminhando nisso, mas tem muito ainda para fazer num Brasil que vai produzir 313 milhões de toneladas de grãos.
Desafios o agro tem muito. Quando eu falo de questão indígena, eu falei que a gente caminhe num equacionamento com equilíbrio e justiça social dos dois lados, do lado indígena e do lado dos pequenos produtores rurais, muitos compraram terra 50 anos atrás legitimamente e precisam de justiça social. A polarização política está impedindo a evolução de algumas pautas, como, por exemplo, a questão indígena. Que o respeito mútuo prevaleça, que haja evolução de agendas divergentes.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
O agronegócio se mostrou majoritariamente bolsonarista, não só na eleição como em recentes declarações e atitudes. Por que essa relação tem a dimensão que temos visto? Muitas pessoas fora do agro me perguntam por que o agro é tão bolsonarista. Tem muito a ver com as pautas do agro. Nas eleições passadas, vários candidatos, não só à Presidência, me perguntavam dessa proximidade, e eu tenho uma resposta que é tão simples, a de que o governo Bolsonaro trouxe essa segurança jurídica para o agronegócio.
Esse elo do produtor rural é a pauta número um. Junto da segurança jurídica eu já emendo com o direito à propriedade privada e a livre iniciativa. São as três primeiras frases quando eu tento falar do produtor rural brasileiro. Não tenho dúvida, a relação do agro com o governo Bolsonaro foi isso. Ele esteve junto, no governo dele não existia nenhuma ameaça em relação a isso [invasões].
E aí nós entramos no outro governo, que já tinha uma preocupação muito grande, em relação ao movimento dos sem-terra e infelizmente já tivemos algumas invasões e ameaças de invasão. Então essa é a relação. A principal dificuldade que eu enxergo na relação do Lula com o agro é essa.
O MST historicamente é muito ligado ao presidente Lula. A sra. vê possibilidade de o governo agir contra o MST para dar essa segurança que o setor pede? A principal pauta hoje no agronegócio com o presidente Lula, com o governo do presidente Lula, é o MST. Teve uma mensagem, muito difícil para o agronegócio, que foi o fato de o presidente ter levado o [João Pedro] Stedile [líder do MST] na comitiva à China. Isso gerou uma dificuldade muito grande, é um fato que trouxe um inconveniente muito grande, fez um barulho muito grande dentro do agronegócio.
Lógico que quero que o governo caminhe nessa questão dando segurança jurídica para a gente. O MST está tensionando as relações com o agronegócio e com o Brasil e para mim é inadmissível qualquer invasão de terra. Não existe justificativa possível. Já falei para o presidente Lula em duas situações, e ele ouve, ele presta atenção.
Essa tensão do governo com o agro teve a recente crise envolvendo o ministro Carlos Fávaro (Agricultura) e a Agrishow, em Ribeirão Preto, e, quando parecia que a situação se acalmava, Lula criticou o que ele chamou de fascistas do agro. Como pacificar os dois lados? A Agrishow gerou mais de R$ 13 bilhões em intenções de compra e recebeu quase 200 mil pessoas, pequenos, médios e grandes produtores. A Agrishow mostra o futuro do agronegócio. Máquina agrícola, irrigação e armazenagem é o futuro do agro, é onde temos alguns gargalos e estamos caminhando. Minha avaliação, sinceramente, vendo todos esses números, é a de que foi ruim para todos os lados. Não tenho dúvida que foi ruim para a Agrishow e ruim para o governo. Perdeu em entendimento, em oportunidade de estar juntos.
E cabe a quem dar o primeiro passo e estender a mão? Aí entra na polarização política essa radicalização que vejo, dos dois lados, muito forte, e acredito que o presidente Lula, que falou num governo de união, deveria, o Brasil espera que ele saia da polarização e ele acho que de alguma maneira tem de pacificar. Nós estamos precisando dessa liderança.
É possível o país avançar numa reforma agrária em meio a esse cenário de críticas do setor ao governo? Falo muito da regularização fundiária. O governo passado entregou mais de 400 mil títulos. Sou super a favor, porque estive nos assentamentos, eu conversei, eu vi, não é que li. E tem muita gente ali que estava esperando havia 50 anos.
Embora os números do setor sejam superlativos, o Brasil é marcado por ter uma maioria de pequenos produtores. Como prepará-los melhor? Temos pouco mais de 5 milhões de estabelecimentos rurais no país. Desse total, 20% são os que estão participando desse agro pujante, só 20%, que usam tecnologia, têm visão global do negócio, entendem problemas causados pela pandemia e guerra na Ucrânia, por exemplo. Investem na agricultura digital, drones e estavam na Agrishow comprando aquelas máquinas.
Os outros 80%, pequenos e médios produtores, precisam de capacitação. É um país imenso, eles têm muitas dificuldades, precisam de crédito, que a regularização fundiária continue, para que eles tenham segurança do título na mão para acessarem crédito, continuar caminhando. Quando esses pequenos produtores estão perto de cooperativas eles conseguem caminhar muito. Tem um Brasil para fazer ainda.
Como vê o futuro do agronegócio no país? Falar do futuro é falar, neste ano, de mais de 313 milhões de toneladas de grãos, que é um agronegócio que já participa fortemente da balança comercial, gera empregos, qualidade de vida nos locais em que há agro pujante. É mais tecnologia, agricultura e pecuária muito preocupada em gerar menos impacto ambiental. Ele já se conscientizou disso. Ano passado houve perdas na soja, no milho, no Sul, e o produtor está conseguindo superar. Os pequenos são o grande desafio para o setor no futuro.
A sra. foi a primeira mulher presidente da SRB e agora, no Conselhão, também é, entre os membros do agro, uma voz feminina quase solitária. O caminho é muito longo para mudar o quadro? Nos lugares de voto e fala [nas entidades], vejo que somos pouquíssimas. No agro, então, como liderança vejo Tereza Cristina [ex-ministra, PP-MS] e agora, sem modéstia, vejo o meu papel aqui. O que tento fazer é cada vez mais me organizar mentalmente, tem de ter uma resiliência muito grande, acreditar […] Não tenho dúvida de que temos trabalho dobrado para estar nos lugares e não tenho dúvida de que sou muito mais cobrada que os outros. E outra coisa, muito mais julgada. Aprendi a não ficar lamentando. Uma coisa que me surpreende é o machismo das mulheres. Quando nós nos dermos oportunidade, uma para outra, quando a gente se apoiar, nós vamos caminhar muito mais.
RAIO X
Teresa Vendramini, 63, produtora rural em SP e MS, é socióloga formada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Ex-presidente da SRB (Sociedade Rural Brasileira), integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República, além de participar de conselhos de oito associações, entre elas a Febraban (Federação Brasileira de Bancos).