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A agricultura milenar, agricultura moderna, e a LGPD

Por Sergio Sgobbi

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Há milênios, a agricultura faz parte do cotidiano da humanidade. Desde o descobrimento dos primeiros ferramentais que auxiliaram o homem nas tarefas mais rudimentares, até o surgimento e a concentração das forças produtivas nos chamados agronegócios[1]. Com o controle de parte da natureza pelos processos de mecanização, quimificação e monitoramento do clima, a humanidade deu saltos significativos na busca da satisfação das necessidades alimentares da população. Segundo a FAO, a demanda por alimentos crescerá 60% até 2050[2].

Fenômeno mais recente é a ascensão dos meios telemáticos propiciados pelas constantes evoluções das Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs, e a consequente digitalização dos processos. Maior controle, eficiência, rapidez e segurança são benefícios latentes desse movimento. Os setores produtivos, na busca por aumento de produtividade e melhoria da rentabilidade, rapidamente incorporaram essa digitalização nas suas atividades, o que ocorreu também com a agricultura.

Nessa ascensão, houve o surgimento de um novo elemento: os dados. Eles passaram de coadjuvantes e desapercebidos para peças relevantes no novo cenário. O fato é que o acúmulo dos dados e suas análises podem identificar particularidades e individualidades inerentes às pessoas naturais, o que fez surgir regulações de proteção aos indivíduos, no que tange aos seus dados. No Brasil, o marco legal é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD, que foi instituída em 2018 e está em vigência desde agosto de 2020.

A agricultura moderna e digitalizada é intensiva na coleta, uso, tratamento e armazenamento dos dados para desempenho das suas atividades – desde as atividades mais rotineiras, como a compra de insumos agrícolas em revendas, até a captura de imagens de georreferenciamento (imageamento) ou o gerenciamento remoto de equipamentos. Os dados são coletados, tratados e analisados, em volumes cada vez maiores.

Nesse sentido, para além da visão restritiva e limitada do cumprimento legal, advinda das obrigações instituídas pela LGPD, essa conjuntura possibilita à agricultura oportunidades para o desenvolvimento de inovações, ampliações de mercados com novas ofertas de produtos e serviços, e a capacidade de estabelecer ainda mais vantagem competitiva assegurando sustentabilidade e rastreabilidade da produção. Os desafios para concretizar esses benefícios resultam de fatores variados por exemplo: a falta de cultura associada às boas práticas de gestão dos dados, físicos ou digitais; o desconhecimento sobre a LGPD, até pelo fato de a legislação ser recente; a visão imediatista de implementação da lei, em detrimento de uma visão de longo prazo e contínua; o desconhecimento sobre as responsabilidades inerentes à coleta de dados pessoais; as restrições financeiras para a efetiva implementação da LGPD; e até o entendimento incorreto de que essa é uma responsabilidade somente dos setores que trabalham com tecnologia[3].

É necessário, portanto, difundir o conhecimento sobre a LGPD, fomentar o debate sobre as principais dúvidas, esclarecer suas aplicações e, assim, fazer o aculturamento das estruturas organizacionais (pessoas) diante desse novo cenário.

A agricultura brasileira é integrada, invariavelmente tem dimensão nacional e possui atores que se articulam e se relacionam. Sendo assim, o aproveitamento dessas características pode ser um fator diferencial e impulsionador para a superação dos desafios. Articuladamente, problemas comuns podem ser resolvidos mais facilmente e, consequentemente, suas soluções podem ser mais amplamente difundidas. Desse modo, as empresas atuantes na agricultura, independentemente do porte, características e tamanho, estão sob a égide da LGPD, e têm a oportunidade de trabalhar de maneira conjunta para o fortalecimento de todos os elos dessa cadeia.

A digitalização é um fenômeno irreversível e muito bem-vindo para o aumento da eficiência produtiva, a preservação dos recursos naturais e a melhoria da qualidade dos produtos, fatores que são essenciais para a agricultura. Soma-se agora a proteção, a privacidade e a segurança dos dados pessoais tratados nas atividades desenvolvidas pela agricultura. Dessa forma, quem trabalha a terra, faz o plantio, o manejo e a colheita das plantações, deverá saber irrigar a cultura de respeito à LGPD e colher seus melhores frutos, seguindo as legislações e aproveitando-se também das oportunidades que essa nova situação permite.

[1] DAVIS; GOLDBERG (1955)

[2][2] FAO (2012)

[3] Sondagem feita em parceria com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento sobre o conhecimento e visão da LGPD no setor agropecuário. Fevereiro/2022.

(*) Sergio Sgobbi é Administrador, diretor de Relações Institucionais na Brasscom Associação Brasileira das Empresas de TIC e escreve para o RCIA ARARAQUARA.

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR