O ano de 2016 que ora começou nada mais seria senão a mera continuação do anterior, não fosse o que ele, tal como os outros que já se foram, representam como símbolo: o da esperança em um mundo melhor. Seria como um rito de passagem comemorado há milênios; faz parte da mitologia, até antes mesmo da existência do calendário cristão.
Com essa exceção, ele apenas dá continuidade ao ano que passou que poderia ser absolutamente caracterizado em nosso país, não tanto como aquele em que o partido majoritário levou à decepção os milhões de cidadãos que nele acreditavam, com seus líderes envolvidos em falcatruas, empresários poderosos, políticos famosos, como, sobretudo, o ano em que se solidificou a crença no Poder Judiciário, na Justiça, como instituição, simbolizado pelo jovem juizSérgio Moro.
Mas o que é a justiça? Certos conceitos são tão comuns, tão óbvios e enraizados na mente dos homens, vivendo ou não em sociedade, e são tão banais, perceptíveis tanto pelas crianças, quanto pelos já vividos em anos — esses mais ainda —, que eles acabam por perder os seus verdadeiros significados.
Um desses valores, fundamentais para a perfeita e pacífica coexistência humana, é o da compreensão da justiça, o que tem, sido objeto das mais profundas reflexões dos filósofos, em todos os tempos, desde antigui-dade clássica.
Percebe-se melhor o significado desse conceito, nem tanto pela sua definição, mas, sobretudo pela sua negação, pelo sofrimento de alguém quando lhe é cometida uma injustiça, pois aí ele tenta procurar entender o porquê das coisas, o que pode levá-lo a des-crer da sociedade em que vive e a procurar apoio num ente superior e numa vida após a morte, supondo que lá ou com ele encontrará a verdadeira justiça.
É também lugar comum afirmar que o homem vive de crenças e principalmente de esperanças, mas quando ele crê nalgum ente fora deste mundo terreno, só espera encontrar a certeza, desenganado do mundo em que vive, sabendo que neste só há dúvidas. Dúvidas sobre a bondade do ser humano, dúvidas sobre a sua justiça.
Mas também ele não desconhece que para se tentar viver feliz em sociedade, deve acreditar nela, por um mínimo que seja, deve acreditar nos pobres mortais, o que certamente deve ser muito mais difícil do que se acreditar na existência de um ente supremo, justo. Para isso é preciso que haja um mínimo de tolerância para com os outros, é necessário que os mais diversos e variados interesses estejam em equilíbrio, sujeitando-se às normas do grupo.
Neste caso a justiça só existe em função dos outros, pois a de ordem individual, moral, foge ao alcance de qualquer sanção, a não ser a psicológica. Aquela age no momento em que se rompe o pacto social, onde as normas, impostas pela maioria numa sociedade democrática, são violadas. Age, nem tanto pela persuasão, mas, sobretudo pela força, para ser cumprida e assim manter o equilíbrio social. A justiça que psicologicamente é mais uma percepção, um sentimento, cai no vazio, sem o racional; torna-se impotente e cai no descrédito dos homens e da humanidade.
Essa é a razão pela qual é necessário insistir na justiça dos homens, aplicando-a, dentro de sua humana falibilidade, de modo mais correto possível, pois a crença na ins-tituição da Justiça, no mundo civilizado, a nossa última esperança.
Por isso, a fé na Justiça, como institui-ção, é condição sinequa non para a manutenção da paz social, pois não se pode almejar a felicidade, nem a liberdade sem a crença nos homens justos, os juízes, seres imperfeitos como todos os outros, mas que procuram aplicar, de modo mais perfeito possível, com toda a justiça, a lei e o Direito.
É a que tem sido aplicada principalmente pelo juiz Sérgio Moro, com muita coragem, conhecimento jurídico e desprendimento pessoal, com sacrifício próprio e de sua família, pois não se desconhece dos riscos que ele corre de uma possível vingança dos criminosos, tal como ocorreu na Itália anos atrás com a Operação ManiPulite, Mãos Limpas.
Que se continue a crença na Justiça, neste ano, como símbolo da esperança para todos nós brasileiros.
Luis Carlos Bedran
Sociólogo