Home Artigo

A crise política explicada

Por Paulo Saab

81

Há uma insegurança institucional e jurídica no momento da realidade nacional que assusta os brasileiros, notadamente os cumpridores da lei e da ordem – a maioria, ainda – que de alguma maneira até começam a questionar a validade desse comportamento face a permanente prevalência de quem não cumpre.

Vamos observar rapidamente alguns pontos da Constituição:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;            

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Diga-me, leitor, se você tem percebido que está havendo respeito à questão da cidadania, da dignidade da pessoa humana e, até, aos valores sociais e da livre iniciativa. Tem?

A chegada da pandemia no país motivou uma espécie de salve-se quem puder nas esferas de poder, resultando, na linguagem popular em tiroteio de cegos, com uma superposição competitiva de egos e interesses, nem sempre claros, de governantes, políticos e, pasme-se, até magistrados, o que nos leva ao ponto seguinte da Carta Magna.

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário

O flagrante desrespeito a esse artigo solta aos olhos do mais leigo cidadão tupiniquim. A busca pela prevalência que existe por parte do STF sobre o Legislativo e o Judiciário, ora a favor de um, ora a favor de outro, mas sempre a favor de interesses de seus integrantes, é uma das mais graves violações que se assistiu na história republicana do país.

Há ainda, também o exercício permanente por parte dos presidentes do Senado e, notadamente, da Câmara dos Deputados, casas que compõem o Congresso Nacional, em prevalecer sobre o Executivo, valendo-se de prerrogativas que fogem ao alcance de suas funções, valendo-se quando julga necessário de apelo ao STF. Sem exceção, ocorre o interesse de cada um deles, Judiciário e Legislativo, mas ambos se unem quando se trata de impedir a plenitude da vigência do artigo 2º, buscando impedir o Executivo de exercer suas funções garantidas na própria Carta.

Começa a ficar exposto ao olhar da Nação o que se chamou de “sistema” que, distorcendo os propósitos constituintes, orquestrou a tomada dos três poderes, num momento em que a chamada sociedade civil se reorganizava após o período de governos militares.

Surgiu um conceito deletério mas pratico de “governo de coalisão”, onde resultou a entrega da máquina pública aos partidos com assentos no Legislativo e a nomeação de ministros do Supremo de pessoas oriundas do meio jurídico mas com vínculos partidários ou pessoais junto aos governantes indicadores e senadores aprovadores dos nomes, numa espécie de conluio de autoproteção entres todos.

Fixou bases até profundas, da eleição de Luís Inácio em diante, a raiz desse sistema, baseado na coalisão, não de boa governança, mas de interesses corporativos, partidários, grupais, ideológicos por afinidade, e não menciono ainda a mais corrupta página de assalto ao patrimônio público desde a chegada de Cabral.

Ocorreu, então, durante um período sustentado na era lulopetista (a coalisão vinha desde Sarney, tendo sido arrombada ilimitadamente pelos governos do PT) a consolidação de sistema. Um alicerçado aparelhamento do Estado e do governo, onde, aí sim, mais como cúmplices do que como “harmônicos entre si”, os três poderes direcionaram os interesses nacionais para se encolherem diante dos seus, de dominação da vida brasileira, e viviam felizes da vida.

O lulopetismo então extrapolou e com a aliança de sues partidinhos satélites e a banda podre do empresariado, lotearam o tesouro nacional promovendo assaltos inimagináveis que por pouco não destruíram o país.

Surgiram os capítulos do “mensalão” e da “lava jato”. No bojo do descontentamento popular com as revelações surgiram condenações e sentimento antissistema. O então deputado federal Jair Bolsonaro, incorporou em sua pessoa o sentimento que a maioria dos brasileiros de bem começou a revelar, de rejeição profunda à forma de condução do país, sem perceberem ainda, naquele momento, que se tratava de um sistema orquestrado entre os três poderes da República.

Com um discurso no sentido contrário da pregação oficial então dominante, atraiu a atenção e, principalmente, os votos e ganhou a eleição presidencial, tirando do comando do governo federal (e dos cofres públicos da União) os adeptos do sistema instalados no Palácio do Planalto.

Como consequência, e hoje o Brasil começa a enxergar com nitidez, ao aplicar as promessas de campanha de enfrentar a corrupção, a doutrina de esquerda e recolocar os valores da família brasileira de volta na pauta de sua gestão, e ,ainda, fechando os cofres oficias para patrocínios sem limites da   grande mídia, o Executivo abriu a caixa de Pandora dos interesses ocultos do sistema.

Em poucos meses viu-se que o tripé (Executivo, Legislativo e Judiciário) que sustentava o sistema dominante ficou manco. O Executivo ousou fugir do figurino de harmonia entre os três poderes, na divisão do butim da pátria. Não só o de dinheiro, mesmo, mas também o de prestígio, corporativismo, fisiologismo, influência, mordomias, verbas abundantes, fora o fruto da corrupção.

O que se praticava até a ousadia do “tosco” de vencer a eleição era então considerado normal. Ao deixar o sistema manco, todos os males do mundo da caixa de Pandora serviram de catálise para os outros dois poderes mais a mídia e derrotados de toda ordem nas urnas, se unirem num maléfico plano de busca de derrubada do chefe do Executivo, na esperança de retornar o sistema ao mar de rodas anterior para seus integrantes, o inferno de Dante na Terra para os brasileiros comuns.

A pandemia exacerbou e expos tudo isso. Políticos populistas, governantes despeitados e ambiciosos, parte podre da sociedade civil e empresarial, partidos, magistrados com interesses próprios que viviam escondidos e na bonança, artistas, a mídia depauperada pela falta de dinheiro público, enfim, toda sorte de prejudicados por ter o sistema ficado manco, declararam uma guerra nada santa contra o governante que desarticulou o uso da coisa pública brasileira em favor de grupos privilegiados.

Em torno disso gira todo o resto, seus adereços, penduricalhos, paetês, vaidades e maldades.

Dá, agora, para entender todo esse pandemônio?

Todo mundo quer na insegurança que essa guerra provocou, tirar sua casquinha. Até quem provocou toda a crise quer tentar se oferecer como solução.

Não há um só dia sem que o brasileiro comum não receba um soco na cara vindo do desatino das pernas que ficaram mancas.

Um pandemônio na pandemia.

Por isso querem a volta do sistema com três pés.

Precisa desenhar?

*Paulo Saab, jornalista, bacharel em Direito, professor universitário e escritor

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR