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A ilegalidade da suspensão do direito de arrependimento da compra

Por Tiago Romano

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Está em eficácia a Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020 que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídica de Direito Privado no Período da Pandemia do Coronavírus (Covid19). Nesse compasso no presente artigo vou fazer o comentário de apenas um artigo do pacote de alteração de regras de contrato entre as partes, mais precisamente o artigo 8º que retirou parcialmente o direito do consumidor de utilizar do arrependimento da aquisição de produto através de compra realizada fora do estabelecimento empresarial.

O artigo 8º da referida legislação fez uma alteração temporária nas relações de consumo, mais precisamente suprimindo parcialmente o direito de arrependimento imotivado do consumidor por ocasião de compras sem ser no estabelecimento comercial (ou seja, sem o contato físico com o produto) se a compra for realizada fora do estabelecimento comercial, mas entregue por sistema de entrega a domicílio (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.

O artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor reza que “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”. Pois bem, esse direito do arrependimento imotivado é consubstanciado no fato de que as compras fora do estabelecimento comercial privam o consumidor de ter contato físico e visual diretamente com o produto. Por essa razão pode haver insatisfação do mesmo por ocasião do recebimento da mercadoria, logo há o direito do arrependimento imotivado, por não atender as expectativas da oferta do produto. Ocorre que o artigo 8º da supracitada lei suspendeu a eficácia parcial desse artigo quando disciplinou que “até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos”.

É inegável que a entrega domiciliar é mais uma forma do fornecedor de produto de fomentar a sua venda do que um plus ao consumidor, posto que, a maioria das entregas é cobrada como serviço à parte ou no custo operacional total do fornecimento do produto com certeza já está incluso o novo custo parcial da modalidade de entrega do delivery. Portanto, não é uma vantagem ao consumidor seja em qual prisma for analisado, e sim, meio para fomentar a atividade empresarial.

Agora tolher um direito do consumidor justamente em época de pandemia mostra total desrespeito a política de proteção ao mercado de consumo saudável.

Fica fora da suspensão temporária do direito, os produtos duráveis que são aqueles que não se exaurem no primeiro consumo, ou seja, que não são de consumo imediato (como por exemplo: impressora, aparelho celular etc.). Em contrapartida todos os produtos de consumo imediato como gêneros alimentícios ou que se desfaçam no primeiro consumo e remédios ficam impossibilitados da desistência até o dia 30 de outubro do presente ano.

Muitos podem dizer que na prática não haveria problemas, mas, o consumidor deverá se certificar de todas as informações sobre o produto, quantidade, qualidade, componentes, características, prazo de validade, indicação de consumo etc., pois pela compra através de um anúncio nas redes sociais (Facebook, Instagram etc.) nem sempre é possível identificar todos esses elementos, há tão somente uma mera imagem do produto e o preço. E agora desprotegido do direito ao arrependimento o consumidor ficará a mercê da boa-fé do prestador de serviço em concordar com a discrepância do produto com a oferta ou o consumidor deverá fazer a aquisição certificando-se seja por telefone ou mensagem de todas as características do produto.

Na verdade apenas está havendo a inserção de mais uma modalidade de entrega que antigamente era feito pelos correios ou transportadoras e agora acrescida pela veicular, portanto, continua o consumidor sem ter manuseio do produto e sem possibilidade de constatar todas as informações sobre o produto, por conseguinte, é ilegal a restrição aplicada pela lei. Reitero que um dos mais importantes direito que o consumidor tem é o direito a informação correta sobre o produto a ser consumidor. O inciso III do artigo 6º do Código Consumerista reza que são direitos básicos do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. E resta claro que esse direito não está sendo garantido, ou alguém já viu a foto do rótulo do produto em rede social?

Cumpre esclarecer que a referida regra não se aplica a vício ou defeito do produto, pois nesses casos o consumidor continua com o direito a sua livre escolha de exigir: a substituição do produto por outro em perfeitas condições, o dinheiro de volta com juros e correção monetária ou o abatimento proporcional do preço, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, dano moral e lucros cessantes.

Em suma mais uma vez a conta vem para o consumidor ficando privado do seu exercício regular do direito ao arrependimento nas compras na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos até o dia 30 de outubro do presente ano.