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A menina que corre sorrindo e faz os outros sorrirem

Por Rafael Zocco

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20 de março de 2023 era para ser marcado como mais um embate envolvendo Ferroviária e Corinthians pelo Brasileirão Feminino, o confronto mais esperado da quarta rodada pela rivalidade que foi aflorada nos últimos anos mais pelas disputas de títulos, até porque as corintianas tem ampla vantagem no histórico do confronto.

Porém, a data também serviu para que a treinadora da Seleção Brasileira Feminina, a sueca Pia Sundhage, definisse as 26 convocadas do Brasil para a penúltima Data FIFA antes da Copa do Mundo Feminina, mas que também contém disputas contra a Inglaterra – valendo o título da Finalíssima – e amistoso diante da Alemanha. Dois adversários de bastante peso antes do “tudo ou nada” no Mundial.

Eu, sinceramente, esperava uma ou outra surpresa, até por conta de jogadoras que estão lesionadas, como a zagueira Kathleen – foi convocada pelo tempo hábil da recuperação – e da atacante Ludmilla, esta sem chances de ir à Copa por conta da lesão de LCA.

Acompanhava atentamente as convocadas. Luciana é figurinha carimbada. Foi confirmada e dificilmente ficará de fora da Copa. Mas, ao ouvir da boca da sueca, as palavras “Aline, Ferroviária”, balançou todas as estruturas possíveis. Os músculos do rosto, a mão na cabeça, depois na boca. Era toda a fisionomia possível de incredulidade que, pelo menos pra mim, não a esperava nesta altura do campeonato faltando exatos quatro meses para a Copa começar.

Me emociono, pelo seguinte. Aline Gomes surgiu na Ferroviária em um período de grande dificuldade em todo mundo. Foi durante a pandemia, no pico, onde o futebol se aventurou ao seu retorno no campo, tentando tomar todos os devidos cuidados, mas o qual o vírus punia – sem dó – em um momento em que não existia a vacina.

Pois bem. A disputa era o Campeonato Paulista Feminino Sub-17. Reuniu poucas equipes pelo motivo mencionado, mas aconteceu. Lá no estádio do Botânico, via as Guerreirinhas Grenás jogarem e uma delas chamou atenção. Camisa 7. Olhando na súmula, apenas Aline. Menina franzina, de apenas 15 anos, correndo pelos lados do campo. O adversário era o São Paulo, com uma base forte e era o atual campeão do torneio.

O placar final foi 2 a 1, com o segundo gol marcado pela Aline, tiro certeiro quase da marca do pênalti. Não sai da minha cabeça esse gol. Mas, ali você via que tinha algo diferente. Esta comentando os jogos pela Eleven na época e, em um dos confrontos dentro do grupo – este realmente eu não me recordo – soltei que Aline teria futuro na Seleção de base. Tinha muito potencial. Coincidência ou não, a treinadora da Sub-17, Simone Jatobá e a auxiliar Lindsay Camila, acompanhava um destes jogos da arquibancada e soube depois. Eu tinha total convicção que era para observá-la.

As Guerreirinhas chegaram até a final do campeonato, mas foram derrotadas pelo Santos na final por 1 a 0. A Aline foi a artilheira da competição com cinco gols marcados. Ficou o gostinho amargo da prata, mas o vice merece ser comemorado também e ela fez o seu papel bem feito dentro da competição.

Não demorou muito e a confirmação veio com a convocação para treinamentos da Seleção Feminina Sub-17 e estava o nome da Aline entre as relacionadas. O 2021 era o ano dela para se consolidar como um dos destaques e jogadoras promissoras da base feminina. E eu tinha a minha missão de acompanhar este ciclo para entender o que estava por vir. Eu avisei alguns amigos, analistas do futebol feminino, de que estava surgindo uma jogadora de muito potencial na base da Ferroviária.

A partir do momento que Aline, de 15 anos, tem o privilégio de ser relacionada para um jogo do profissional contra o Flamengo na última rodada do Brasileirão Feminino daquele ano, ali surgiu o momento “vem aí”. No jogo realizado em Bauru, por conta da reforma no gramado da Fonte Luminosa, ela participou do segundo gol das Guerreiras na vitória por 2 a 1, consolidando a classificação ao mata-mata da competição.

O ápice veio justamente no primeiro duelo contra o Santos, no retorno a Fonte. 2 a 2, jogo pegado, intenso, e Lindsay Camila, como treinadora da Ferroviária, coloca Aline que se tornaria Gomes, por conta de ter Aline Milene naquele período, na segunda etapa. Cruzamento na área, a bola passa por Leidiane e a sobra fica com ela, com 16 anos completados, estufar as redes. Chorei sozinho na cabine de imprensa.

Ali, ela só avançou. Evolui absurdamente. Dentro de campo, fisicamente e de personalidade forte, mesmo que sendo tímida. Não vi Aline nascer, mas eu vi o nascimento da atleta Aline Gomes. É um privilégio. Por isso que eu amo acompanhar categorias de base, ainda mais a feminina.

Como é bom ver a história sendo escrita e escrever parte dela. Consolidada no futebol profissional da Ferroviária, convocações para Seleção Brasileira Sub-17 e Seleção Brasileira Sub-20, com disputas do Sul-Americano e Mundial, e agora Seleção Principal. Isso não dá três anos. Do Botânico ao Wembley. É surreal.

Antes de começar o Brasileirão Feminino deste ano, eu cruzei com a psicóloga Annie Kopanakis na beira do gramado antes de começar um treino do feminino e ela perguntou se eu estava com saudade, respondi que muita, mas eu queria ver a base jogando porque é mágica. Ela riu e concordou.

Depois do que vivemos, tudo tem se tornado especial. O 20 de março é um deles. Dona Zilma, Irmão Lucão, Família Gomes e toda Tabatinga. Festejem, vibrem por este momento. A Aline Gomes, de 17 anos, filha e irmã de vocês representa todos nós em qualquer parte do mundo. Ela vai correr muito sorrindo e nos fazer sorrir cada vez mais.

Rafael Zocco é jornalista, formado em Comunicação Social – Jornalismo na UNIARA

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR