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A saudade nos tempos da Covid

Por Luís Augusto Zakaib

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“Manhã, tão bonita manhã
Na vida, uma nova canção”
(Manhã de Carnaval, Luiz Bonfá)

Terça-feira de Carnaval e a folia dentro de cada um já não é a mesma. Dia 1º de março de 2022. Talvez o desejo de festejar tenha se mantido, nutrido pelo oxigênio que ainda nos resta, mas não a força das nossas fantasias nem o brilho das alegorias.

A pandemia entra em seu terceiro ano neste mês de março. As ondas e ondas que nos arrastaram para a incerteza e a tristeza dos acontecimentos repentinos nos deixaram um tanto mais resilientes e o feriado neste ano perdeu um pouco o sentido.

Há dois anos perdemos os sorrisos, os abraços e o contato direto, pele a pele, sem a necessidade de uma camada de álcool 70%. As máscaras, que se misturavam aos risos e alegrias nos salões e ruas nessa data, hoje acompanham nossa rotina diária.

Mas a vida segue e os perrengues diários nos encorajam a levantar e encarar de frente, desarmados, cada leão que vier a surgir na nossa frente. Há um ano, Araraquara/SP, minha cidade natal, anunciava 14.669 casos de coronavírus.

Primeira cidade do país a anunciar o lockdown poucos dias antes, fechando as atividades econômicas e proibindo eventos, Araraquara passava por um momento crítico, com taxa de ocupação de leitos, tanto de UTI quanto de enfermaria, chegando a 100%.

Há um ano, o município ultrapassava a marca de 210 óbitos, seis anunciados naquela segunda-feira, 1º de março de 2021. Homens e mulheres com mais de 60 anos, exceto um, de 52 anos. Meu irmão, Elias Zakaib Júnior, que partiu na madrugada, após um mês de internação.

A dor sentida na minha família, como nas outras dezenas que sofreram com o ataque repentino de um vírus mortal, foi compartilhada nos portais e redes sociais. A cada boletim, dezenas de enlutados. Sem alternativas, nos fechamos em casa, trancamos nossas portas e almas.

Hoje, um ano depois, com o número de mortos pela covid mais que triplicando (669 mortos até o dia 28/2), temos o alento das vacinas e aos poucos tentamos superar sequelas físicas e emocionais desse momento singular da história.

Como a tristeza passa, mas a saudade nunca, cada um da sua maneira foi driblando a dor com os recursos disponíveis e tentando encontrar algum sentido para seguir na caminhada. E nessa trajetória é fundamental trabalhar a saudade.

Palavra que a Língua Portuguesa teve a felicidade de encontrar para definir tão complexo e inevitável sentimento, a saudade resume bem o que preenche a alma humana após 24 meses de contaminação mundial, surpreendida por inesperadas variantes.

E com tantas perdas diárias, que abalaram nossos sentidos, acabamos, em algum momento de razão, a nos questionar: “O que se perde quando perdemos algo ou alguém?” Essa pergunta permeou o imaginário da minha irmã, Denise Zakaib, que transformou a dor em documentário.

Revirou o passado, reviu fotos, cartas, recortou imagens, questionou amigos e transformou aquele aperto no peito em arte. “Um sentimento entre a garganta e o coração” foi o título escolhido. (link)

“Fazer arte porque a vida não basta” disse o poeta Ferreira Gullar. E talvez seja isso que nos mova. E nos alimente. Embora o Capitalismo, a ganância humana e sua vontade de poder, atiçados pela Indústria Bélica insistam em nos destruir.

(*) Luís Augusto Zakaib, é jornalista e escreve para o RCIA ARARAQUARA

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR