É ilegal a prática adotada por algumas instituições financeiras que lançam mão de apropriação de saldo bancário existente em conta corrente, aplicação financeira, conta salário ou qualquer outro crédito em nome do consumidor correntista que está inadimplente com a instituição financeira.
Na prática podemos elucidar com um simples exemplo: o consumidor está inadimplente em um contrato de empréstimo pessoal, todavia, possuiu dinheiro depositado na caderneta de poupança ou ainda em aplicação financeira na custódia da casa bancária, nessa seara é ilegal a instituição financeira apropriar-se dos valores depositados na poupança ou na aplicação para saldar automaticamente a dívida.
Salienta-se que mesmo havendo previsão contratual para o resgate, a cláusula é nula. Isto porque o inciso VI do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor reza que se consideram abusivas, numa relação de consumo, as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Aliás, nem poderia ser diferente, pois mesmo com autorização expressa do consumidor para eventual resgate, o consumidor estaria em tese autorizando o resgate do valor dispensável a sua sobrevivência, mas duvido que o consumidor estaria autorizando o banco a resgatar um valor proveniente de salário, aposentadoria, benefícios previdenciários em geral ou o limite do saldo de poupança garantido pela impenhorabilidade. Ademais, o consumidor não estaria autorizando o banco a seu bel prazer a apropriar-se de valores cumulados com juros e encargos unilaterais e abusivos etc., enfim, mesmo que houvesse a anuência do consumidor ela não é autoexecutável, dependeria mensalmente da concordância expressa do consumidor seja para com o cálculo do efetivo valor a descontar, seja para com a natureza do numerário a sofrer a apropriação.
Essa situação se agrava, acaso a conta a que for objeto dessa apropriação for uma conta salário. A Constituição Federal garante a todo cidadão direitos fundamentais intrínsecos a sua própria existência. O artigo 1º reza que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, dentre outros a dignidade humana.
Para que o cidadão tenha o mínimo de dignidade é garantido ao mesmo o recebimento de salário ou outras verbas de semelhante natureza para a sua sobrevivência. O artigo 7º diz que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo. Por essa razão o salário ou qualquer quantia destinada à subsistência do cidadão não pode ser retida, bloqueada ou apropriada, aliás, o inciso X do citado artigo prevê como crime a sua retenção.
O próprio Código de Processo Civil disciplina no artigo 833 que são impenhoráveis os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal.
Nesse compasso quando o cidadão possui uma conta salário a mesma não pode ser objeto de penhora ou mesmo bloqueio, posto que é inegável que a conta salário é destinada apenas a receber salários, saldos, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares, podendo ser aberta somente na instituição financeira que processa a folha de pagamento e a pedido do empregador. Enfim, a conta salário é impenhorável.
Ocorre que, a penhora ou mero bloqueio de movimentação na conta salário acarreta a privação do cidadão dos recursos financeiros mínimos necessários à sua dignidade o que gera além de crime, responsabilidade por danos material e moral, pela violação da dignidade humana, independentemente de culpa.
Em suma é ilegal a apropriação de saldo bancário para pagamento de dívida, agravado ao fato de recair a apropriação em conta salário, trazendo ao responsável o dever de indenizar o cidadão em ambos os casos.
* Tiago Romano, é presidente da OAB de Araraquara
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